Pós-zumbis 4ª Temporada (3)


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Pisando em ovos, alguns se racham.

                Sinal vermelho, o carro para. O motorista aumenta ligeiramente o volume do rádio, toca um instrumental que ele nunca vai saber que se chama “Marco da Era”, uma música que sem dizer uma única palavra transmitia muito, era do Tom Zé; provavelmente o Estagiário responsável, intencionalmente ou não, seria demitido, onde já se viu tamanho absurdo, nos dias de hoje tocar Tom Zé no rádio. O motorista se irrita com aquela música, “quem foi o estúpido que inventou isso?” pensa ele. Troca de estação, notícias, bem melhor assim, ficar informado sobre os acontecimentos locais e globais era algo muito mais proveitoso. Apesar das notícias estarem a ser discursadas, a atenção dele não está nas ondas sonoras que ecoam, mas em ondas de outra magnitude, está atento a pensamentos. Pensa sobre a tirania, a tirania que sofria, exercida por sua própria carteira, a ganância, a avareza, a mesquinhez, tudo isso parecia tão natural, mas quando se refletia apenas um pouco sobre isso, e nesse caso um sinal vermelho bastou para desencadear o raciocínio, percebe-se como tudo se tornou tão vazio, como o supérfluo tornou-se indispensável, como o trabalho deixou de ser uma satisfação para se configurar em uma forma de tortura de modo que, ao final dela, você fosse “recompensado” para assim poder viver o prazer, que hoje se resumia em gasto. “a vida”, pensa ele, “uma sucessão de absurdos, de sacrilégios, dos quais nenhum de nós consegue se desvencilhar, a não ser pela morte”. O sinal abre. Curiosamente a morte, se tal entidade existe de fato, e se faz como um ser que raciocina,  parecia ter ouvido tal misto de desabafo e clemência, uma vez que, no meio da rua, tendo esperado o sinal verde como todo bom condutor, o carro deste motorista que não sabemos o nome foi atingido por um outro que vinha na rua perpendicular à sua. A última coisa que pensou foi: “a vida é tão miserável que me livrou de seu peso desta maneira tão suja e feia”. O carro que ceifou a vida deste indivíduo era o carro onde se encontravam: Camaleão, R., Albinati, Linda e Fronrel.
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                Monquei vê seus amigos sendo levados. “o que fazer”? Contra todas as linhas de raciocínio possíveis, Monquei opta pela de resultado eficiente mais improvável. Dispara contra seus auxiliares, mata os censores que com ele estavam sem nenhum momento de piedade ou hesitação. Seus companheiros, nossos heróis, examinam-lhe com um ar de interrogação; dada a pausa dramática, Monquei dispara contra o próprio braço. Todos olham-no assustados.
                _ Se eles ficassem vivos causariam problemas. – diz ele.
                _ E porque você se deu um tiro? – indaga R., com voz trêmula.
                _ É a única forma de parecer que vocês os mataram. – responde Monquei.
                _ E agora você vai nos libertar? – questiona Fronrel.
                _ Se for o que desejam. – argumenta Monquei.
                _ Como assim? – replica Fronrel.
                _ Vocês não estão cansados? Cansados dessa vida? Cansados de acordarem com medo de sirenes, cansados de dormirem mal, de viverem como ciganos, de comerem mal, de serem taxados pelos adjetivos mais baixos que a língua portuguesa comporta? – treplica Monquei.
                _ ... – Estavam todos esperando uma conclusão.
                _ Vocês não desejam estabilidade? Vocês não percebem a nossa fragilidade se comparados a Eles? Vocês não percebem o quanto somos irrisórios, o quanto somos ridicularizados, o quanto as pessoas não nos levam a sério? Somos mal vistos por elas... – diz Monquei.
                _ NÓS não, - diz Fronrel – inclua-se nessa classe após explicar essa farda.
                E Monquei contou, com mais detalhes em determinados pontos e menos em outros, o que já foi dito nos primeiros dois textos desta temporada.
                Apesar da indignação, excetuando-se R., pois o amor releva muito, e Linda, que se mantinha apática em relação a tudo, todos entenderam que a situação, se fosse tal como foi contada, não conferia outra alternativa a Monquei.
                _ Você disse “se for o que desejam” – diz Camaleão. – então existe outra possibilidade.
                _ Sim. – começa Monquei. – Podem ficar comigo.
                Silêncio.
                _ Vocês não entendem, o mundo NÃO VAI MUDAR, NÃO HÁ SAÍDA, NÃO HÁ CHANCES! É isso, eu sei, eu vi como as coisas são por dentro. Só fomos até onde fomos porque nos deixaram ir, brincaram conosco, se tivéssemos realmente chance de sermos ouvidos, jamais nos deixariam, a prova disso foi que bastou terem vontade e fomos desmantelados.
                _ E agora você resolveu se confortar com a sua situação?! – Pergunta Albinati.
                Silêncio. Fronrel entra no carro.
                _ O que você está fazendo? – Pergunta Monquei.
                _ Se você não abdica do seu posto, mesmo estando nós a salvo, e eu não estando disposto a aceitar a sua oferta, estou me rendendo.
                Monquei parecia não crer no que via, primeiro por perceber que Fronrel não estava mais débil, segundo porque a atitude ali tomada tendia a provar justamente o contrário. Mas Monquei percebeu a ardilosa jogada, Fronrel estava forçando Monquei a tomar uma postura.
                E Monquei estaria até disposto a entrar no jogo de Fronrel, estava cogitando a hipótese, muito provavelmente teria aceito a oferta, não fosse aparecerem dois engravatados vindos de lugar nenhum, pelo menos nenhum lugar identificável.
                _ Sr. Monquei, percebemos que o senhor está em perigo.
                _ É, em perigo. – diz o outro
                _ Estamos intervindo nesta captura visando unicamente o seu bem estar.
                _ Bem estar.
                Bem estar, Monquei analisa essa palavra e sente vazio, vazio tanto no significado da palavra nos dias atuais (ou foi sempre assim?) quanto no seu próprio sentido no que se refere ao próprio “eu”. Tenta manter o teatro enquanto um a um os seus amigos são presos, nenhum deles desmente a postura indubitável de Monquei, deixam que a própria consciência dê o peso que achar justo às atitudes. Ele foi convincente, um prodígio merecedor do Oscar, até que chegou R., puxaram-na com um pouco mais de brusquidão, talvez um ato desproposital, mas feriu Monquei, e feriu fortemente.
                _ Soltem-na. – Disse ele.
                Nenhuma resposta por parte dos engravatados.
                _ SOLTEM-NA! AGORA! – irrita-se Monquei.
                _ Ela é uma criminosa com uma lista de delitos cometidos, devemos levá-la a julgamento imediatamente. – diz um Engravatado.
                _ Levo-a eu. – diz Monquei.
                _ Devo lembrar-lhe, Sr. Monquei, que mesmo com todos os méritos e ganhos, o senhor ainda é inferior em hierarquia se comparado a nós.
                Monquei tenta sacar a pistola, mas os engravatados são rápidos.
                _ Tentativa de auxílio a fugitivos, isso caracteriza uma pena gravíssima.
                _ É, gravíssima.
                _ Ainda mais se cometida dentro do próprio batalhão de repressão ao crime.
                _ SUBVERSÍVO!
                _ Levar-te-emos aos competentes em julgar seu delito, Sr. Monquei.
                Um deles balança a cabeça em magnânima atuação de desconsolo
                _ Depois da oportunidade única que lhe foi dada, depois de tudo que fizemos por ti, assim retribui-nos?
                Algemam Monquei e levam-no. O mesmo é feito a todos os outros, mas eles vão para um local diferente.
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                Monquei é empurrado para dentro da sala.
                _ Deixem-nos a sós. – diz um homem muito velho e caquético.
                _ EU FIZ TUDO! EU OBEDECI AS ORDENS! EU ME CORROMPI! E ERA TUDO UMA FRAUDE! – Monquei era a exata medida da cólera.
                _ E eles ainda estão vivos, não estão? – diz o velho.
                _ VOCÊ É UMA FIGURA DETESTÁVEL! ESTOU ABDICANDO DO CARGO NESTE MOMENTO! – diz Monquei.
                _ Você sabe que não pode fazer isso.
                _ EU QUERO SER PRESO! QUERO VOLTAR A SER QUEM ERA! QUERO VOLTAR A ME SENTIR LIMPO! QUERO VOLTAR A ME SENTIR EU!
                _ Mesmo que isso custe a vida de seus amigos? – pergunta o velho.
                _ Se quisessem matá-los já o teriam feito, por algum motivo vocês precisam de nós vivos. – diz Monquei.
                O velho arqueia levemente as sobrancelhas, como se estivesse ligeiramente surpreso com a dedução. Monquei, que entendeu errado a gesticulação facial, arranca o brasão lateral da farda e diz:
                _ Estou me retirando.
                E vira as costas. O que a sobrancelha erguida queria dizer é que a dedução estava parcialmente errada, e por esse erro de interpretação Monquei paga com a vida. Leva sem esperar três tiros nas costas.
                À queda de Monquei no chão, o velho se dirige vagarosamente até ele, para e diz:
                _ ALGUNS de vocês precisam estar vivos, mas você é um dos que não faz mais diferença, Sr. Monquei.
                E Monquei cerra os olhos pela última vez ao eco destas tristes palavras, que ecoaram pela eternidade no espírito de Monquei.

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