Eu sou mal como Jesse James



Acordei essa manhã me sentindo mal, mal por dentro até de fora; o cara no espelho era mal, fiz com que ele fosse embora. Com um largo sorriso na cara, eu fui embora com ele, pegando na mão de cada sujeito infeliz no caminho, cada velha e cada cachorro. O que nenhum deles sabia, no mais profundo vácuo maciço das suas cabeças nojentas, é que eu sou mal, mal como Jesse James.
Não é difícil fingir, não, os covardes, últimos aparecer e primeiros a fugir, estão em cada esquina, cada bueiro, esperando para serem enganados, sinto até o cheiro. Detesto a sujeira escorrendo de cada orifício dos pusilânimes e vagabundos, nunca suportei, mas por alguma confluência entre a lua e o mundo, me senti mal quando acordei. Mal como Jesse James foi um dia, mal como lepra e disenteria.
Era o dia de coletar os meus espólios antes do morrer do sol, de encarar o covarde nos olhos; e, se o sol se recusasse a partir, que ele sentisse o calor aconchegante dos meus canos frios e a lua a sorrir, como só eu e ela: frios.
Porque acordei mal dessa vez. É bem verdade que mal eu sempre fui, mas hoje esse mal era tão grande que tinha um nome. Era como se eu pudesse virar a cabeça para o lado e vê-lo ali, o espectro da maldade, sólido e paternal. E, se eu esticasse meu braço, podia tocá-lo, porque ele me envolvia. E eu sabia, assim como você um dia aprendeu que, para se equilibrar sobre suas duas pernas, seu nariz tem que pesar tanto quanto seu cérebro, que a minha maldade não era aquela à qual se costuma atribuir, em anexo: antônimo, nessas acepções: bondade. Não, não, ela era justa, legítima e admirável, era a maldade que redimiria toda uma vida de iniquidade e mediocridade.
Nesse dia eu pude ver, com nitidez e segurança, o propósito da minha maldade. Meu destino era vingar todo e cada grande homem que já teve o seu legado maculado pela mão repugnante de um covarde miserável. Era punir todo verme que se esgueirou por valas sujas e tramou para derrubar os justos e os simples e as mentes plenas.
Uma voz sussurrava no meu ouvido, tão frenética e ininterruptamente que era como se não respirasse, não vivesse, mas era mais real e viva que qualquer outra voz humana. Sempre que ela falava, todo meu pelo se eriçava com cada palavra deleitosa: você é um deus, você é deus e você é um deus. Era um mantra e só ele poderia me fazer seguir em frente e manter a minha mão firme para sustentar o mais pesado dos trabucos que um renegado jamais teve de carregar e fazer cantar em todo o mundo.
Porque eu sou mal como Jesse James e eu distribuo a justiça como só um deus poderia fazer. Porque eu não tenho piedade nem compaixão e eu não perdoo. Porque as lágrimas que eu arranco seriam capazes de montar um dilúvio às portas de qualquer castelo e de derrubar qualquer muralha e fachada de covardia. Porque a moral já desistiu de me acorrentar com a sua inutilidade e cegueira.
Mas vós, que não sabeis do Inferno, olhai, vinde vê-lo, o seu nome é só – pusilanimidade.  E eu, como emissário e baluarte de uma era nova, vou extirpá-la e servi-la aos cães mais baixos e depois queimá-los e enterrar-lhes as cinzas. Porque eu sou mal como Jesse James, como Lee Hooker já o foi, chorar não vai fazer bem algum e você, amarrado como se deve, vai dar um mergulho na água imunda, só para que eu possa ver as bolhas vitoriosas virem ter com o ar puro e com o meu largo sorriso. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário