Dilema do raciocínio dual

    A nossa tendência ao extrapolamento racional nos faz querer alocar tudo em uma perspectiva sistemática. Algo como uma equação algébrica. Talvez, e falo sem nenhum embasamento científico, desta perspectiva tenha surgido a nossa tendência a classificar o todo na perspectiva dual, principalmente se a divergência sobre algum assunto se concentre em duas opiniões antagônicas. As opiniões minoritárias não são sequer marginalizadas, antes fossem e que ficassem em paz, mas daí vem o terrível erro de enquadrá-las em uma das duas posições majoritárias. Fui claro? Não sei.
    Bem, por exemplo: É capitalista? Defende a propriedade privada? É a favor da exploração do trabalho? Não? Então é comunista. Talvez esta anedota tenha servido bem ao propósito. Entenderam meu ponto? Existem diversas outras correntes de pensamento econômico/político, naturalmente que estas são as majoritárias, mas mesmo dentro destas a infinitas ramificações e correntes. E ai podemos, por exemplo, ver a diferença enorme entre stalinistas, trotskistas, marxistas ocidentais, marxistas ortodoxos e várias outras correntes. Todos se valem do comunismo, mas são correntes bastante diferentes.
    Claro, se formos nos ater a todas as mínimas peculiaridades, a todos os ínfimos pormenores, não chegamos a lugar algum em uma discussão. Mas temos de ser um pouco mais cuidadosos ao colocar determinados grupos como “todos farinha do mesmo saco”.
    Se você é cristão, é do bem. Se não o é, é ruim. Chamo este exemplo mais como um desespero amador, porém consciente. É óbvio que tenho conhecimento das peculiaridades de quando vamos tratar de conceitos religiosos; sei que há certas considerações a se fazer, como a crença verídica e forte na fé que um determinado indivíduo profere. Mas é como eu disse na minha análise do texto “À sombra das maiorias silenciosas” de Jean Baudrillard: Devemos lembrar que a fé também é um aspecto cultural, é passada de forma hereditária e é assimilada por você, muito normalmente na sua fase de formação individual; ela tem, sim, influências do local onde é proferida e sim, muda consoante as mudanças do mundo e das sociedades. Então antes de uma questão de certa ou errada, a religião é cultural. A partir do momento em que as pessoas perceberem isso, talvez acabem estes atos repugnantes que se manifestam nos diversos campos da sociedade. Imposições religiosas à minorias, intervenções de grupos religiosos na esfera política e diversos outros eventos atrozes de toda sorte.
    É verdade que a perspectiva dual encerra muita coisa na nossa sociedade e a deixa bastante prática em alguns sentidos, mas também nos restringe em diversas possibilidades. Certo e errado, bem e mal, erudito e popular, hegemonia e subalternidade... são conceitos que, a priori, parecem extremamente antagônicos, e talvez sejam de fato, mas que, no mundo contemporâneo, se mesclam e dialogam o tempo inteiro. Me explique, se defendes o dualismo, como pode uma música como One, do Metálica, uma música de Rock, ou seja, popular; sendo tocada em uma versão orquestrada, ou seja, erudita, pela banda Apocalyptica?
    O dualismo é um restritor, nos compele à escolha pronta e devidamente formatada, mas há muito mais entre o céu e a terra. Certo, não creio em Deus, mas nem por isso sou um herege que segue o demônio; não sou capitalista, mas nem por isso prego a ditadura do proletariado; não é por ser homossexual que sou heterossexual... e mais um sem fim de exemplos possíveis.
    Enfim, não é um tema que me faz querer segurá-los nas suas cadeiras por muito tempo. Só queira deixar este pequeno ensaio acerca do mesmo. Não é por não sermos água que somos óleo. Volto a dizer, não dá para especificarmos tudo, naturalmente que alguns pressupostos têm de existir para nos polpar o tempo e facilitar o diálogo corriqueiro, mas devemos estar atentos a alguns temas um pouco mais sérios.

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