Pós-zumbis 4ª Temporada (6)


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Confiar. Duvidar.

                Já faz algum tempo, e um tempo considerável, que R. não vê a luz do dia. Mas aquela tristeza que nela insurgiu, como uma represa que estoura a barragem, nunca mais se foi. Fato é que agora ela convive com o peso em medida mais tranquila, mas este não diminuiu, apenas ela se adaptou. Vêm buscá-la.
                _ Por favor, levante-se, vire-se de costas para que possamos algemá-la e venha conosco. – diz o sujeito.
                _ Não quero. – Diz ela, apática e sem forças.
                _ Não é uma opção.
                _ Então venham e me arrastem.
                _ Faremos disso uma experiência não muito agradável. – Ameaçam.
                Ela pondera, mas está fria; não sente, não se importa. Desde que dessa tristeza ela foi acometida, quase que patologicamente, não lhe vêm forças para protestar ou requisitar ou argumentar. Eles não esperam a resposta. Vão, viram-na, algemam-na, e levam-na.
                Idem para Camaleão, mas ele não relutou, foi quando chamaram.
                Albinati também foi pega.
                Linda, ela também foi chamada. Tiveram de levar três pessoas para algemá-la. Ela quebrou o nariz de um deles com uma cabeçada, por isso pagou o preço de alguns cassetetes nas costas, mas a essa altura do jogo, a ela pouco importava o cassetete nas costelas ou a flor na altura do nariz.
***
                Fazem da seguinte maneira. Levam-nos a um grande vestiário, é mister dizer que mesmo para R., que muito triste estava, ver chuveiros e acreditar no fato de serem quentes fez com que seus olhos reluzissem.
                _ Têm trinta minutos, arrumem-se. Não há tempo adicional.
                E lá foram eles. Menos Linda, que se limitou a sentar-se em um canto e lá ficar.
                O vestiário era grande, a cerâmica era meio amarelada, mas percebia-se que em outrora ela havia sido branca, quase pérola. Os chuveiros eram largos e de ducha forte e, atendendo aos apelos, eram quentes. Em poucos minutos os três chuveiros ligados fizeram se formar no vestuário um espesso vapor.
                Albinati apieda-se, desliga a ducha, seca-se, veste-se; vai até Linda. Para de frente a ela e fita-a por alguns instantes, abraça-a sem aviso prévio ou mostras de intenção. Ficam assim por algum tempo. Depois deste tempo albinati fita-a novamente. Vê intenção de lágrimas naqueles olhos amargos.
                _ As coisas não têm sido fáceis – Albinati começa. – mas tenta.
                Silêncio.
                _ É verdade que tudo que aconteceu foi triste, foi amargo, mas pensa nos que ficaram para trás, desistir agora faria que eles tivessem morrido por nada.
                Linda ergue os olhos, os olhos de ambas se cruzam. O som dos chuveiros ligados. R. e Camaleão estavam atentos à cena, mas não intervinham, este era um trabalho que seria melhor desempenhado em carreira solo. O vapor está quente, as roupas de Linda estão suadas; na medida do tolerável, fétidas; mas ela precisava daquele banho para lavar não o corpo, mas a alma, o espírito, a consciência, se tais coisas existem. E linda deságua em choro, não um choro dramático e gritado, apenas diminutas, porém contínuas, lágrimas que lhe caiam dos olhos. Os cabelos desgrenhados e ausentes em algumas partes agora estavam ligeiramente uniformes, atenuados pela umidade. Ela levanta-se, despe-se com vagarosidade, vale ressaltar que as duchas tinham muretas de altura pouco maior que a estatura do Camaleão, de modo que nenhum deles viu a vergonha do outro. A não ser a de linda, que se despiu em pleno corredor, parecia um ato mecânico; perdoaram-lhe todos a desproposital falta de modos. Ela entra em uma das duchas e deixa a água lhe correr pelo corpo, as lágrimas continuam a descer, os outros não percebem, pois elas se confundem com as águas do chuveiro, mas ela sabe, ela sente, ela chora.
                O tempo se esgota, os homens vêm pegá-los.
Não sabemos se é justo falar “pegá-los” a um grupo que é constituído por apenas um homem, mas a língua é machista, não me atribuam a culpa, e com ela faço o melhor que posso.
Linda foi a última a sair, saiu nua como havia entrado, os homens já no vestiário estavam, mas não se manifestaram quanto ao ato. Linda vestiu-se e saíram. Quem a olhasse juraria ver o mesmo olhar, mas seus companheiros sabiam que aquele banho lha havia sido positivo.
São levados à porta do prédio, lá há um outro homem, mas este é diferente, este tem o semblante da liderança, tem a marca de rei estampada do terno que usa.
_ Olá meus grandes amigos. – diz o homem com um sorriso.
_ O que você quer? – Pergunta Albinati.
_ Vim dizer-lhes as boas novas, estão livres, as acusações foram zeradas, podem sair.
Estavam chocados, por assim dizer. Não lhes saia palavra da boca.
O dia estava cinza. Agora era assim. Linda não conseguia recordar-se de um dia que não parecesse cinza. O céu parecia lamentar a desgraça do homem. E no horizonte se contemplava a massa cinza que saia dos polos industriais, e se você abaixasse um pouco a vista veria os imensos letreiros luminosos que gritavam com luzes e flashes para que se comprasse e que se usasse, para que se gastasse e que lutasse por isso ou aquilo. E o céu parecia querer muito chorar, mas não lhe saiam lágrimas, chuva, como alguns dizem.
                O silêncio. Não de sons, mas de vozes, e não de vozes propriamente, mas de diálogos.
                _ E onde está o Monquei? – Pergunta R.
                _ E onde está o Fronrel? – Pergunta Albinati.
                _ Perguntas para as quais eu posso dar qualquer resposta e vocês nunca terão oportunidade de averiguar, então porque não esquecemos tais pormenores e deixamos vocês às graças da celebração da liberdade recém-reconquistada?
_ ONDE ELES ESTÃO! – Irrita-se Camaleão.
                _ Cuidado, garoto, lembre-se que nossa paciência esgota-se com facilidade e que você é o único a perder com isso.
                _ Não sairemos até saber. –Diz R.
                _ Ok, se querem saber eu conto-lhes. – Diz o homem, com um sorriso na cara.
***
                Alguns fatos são importantes de serem listados. O primeiro é que entre o “julgamento” de Fronrel e esta ação descrita se passou o período de um dia. O segundo é que Fronrel nunca chegou a saber deste ocorrido. Contaram-lhe que seus amigos estavam bem, porém ainda em cárcere, inclusive Monquei.
***
                _ Fronrel lhes abandonou, - diz o homem - ele barganhou conosco a oportunidade de entrar no jogo. Para isso pagou o preço de não ter mais convosco, e pagou sem muita ponderação, se me permitem dizer.
                Todos estavam perplexos, mas Linda não se convenceu muito.
                _ E o Monquei? – Pergunta R.
                _ Bem, minha cara, não há muito que dizer. – Abre-se o sorriso na fronte do algoz. – Monquei morreu. Vítima dos próprios erros, boi de piranha dos próprios equívocos.
                R. fica estática. Por um momento todos a fitam, por um momento ninguém sabe exatamente como se portar. Por um momento o tempo se dilata, quase para.
                Uma lágrima lhe escorre pelo rosto, caindo na sua blusa, deixando lá seu lastro. R. lembra do dia em que começaram a se relacionar, do dia em que, após este inferno ter começado, Monquei foi até a Igreja e de lá a tirou, do momento seguinte em que se viram felizes dentro do carro. E de tudo que se sucedeu enquanto estiveram juntos. E R. não crê no que lhe estão a dizer, não quer crer, não o pode, mas sabe que aquele sorriso na cara do homem a sua frente não pode ser falso.
                Já tem sua decisão tomada. Já sabe o que fazer.
***
                Mas calma lá, caro leitor, ainda não é hora de dizer o que farão R. e os outros. Não ainda.

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