O buraco é fundo, acabou-se o mundo

é uma roda

Tem vinho no copo e na tigela do gato. Nós dois bebemos a noite inteira. Vou empacotar minha casa e me mudar para qualquer lugar onde ninguém me conheça. O gato não. O gato vai ficar para miar no seu ouvido, vizinho. Ele está preso no pedaço de chão marcado pelas voltas da casa que vou empacotar e levar nas costas. Ali não vai ter comida nenhuma: na tigela vou deixar meus desenhos para que antes de morrer de fome o gato coma. Queria ficar só para ver que tipo de mutação vai virar. Um monstro gigante, aspecto felino draconiano escroto. Me bate uma saudade do gato, mas mato. Encontro uma magrela que gosta de fumar chá e tem o cabelo platinado que rima com os olhos azuis que rimam com as sardas artificiais que seguem a via do verso popular do fulano que ama ciclano que ama beltrano que no final não ama ninguém, pois é, as sardas artificiais não rimavam com nada. Tento explicar para ela a negritude cabal que é o buraco da saudade do gato, aquele filho da histeria de uma foda noturna que dois gatos tiveram numa laje anônima, mas o idioma dela não tem nada similar, daí me perco, caio no buraco e afinal o buraco não tem um gato no fundo, não é por ele que choro de noite, de dia, agora.
De repente, chove. A mistura da terra com pingo de chuva faz esse cheirinho gostoso que me lembra de casa. É isso que me chama de volta, porque, sinceramente, eu sou livre para rasgar a realidade quando escrevo, mas aquilo sobre levar a casa empacotada era só uma metáfora. E, olha, eu ando bem cansado dessas medidas de relacionar as coisas, vou ser cru e realista, ponto:
Volto para casa, mas o monstro que o gato tinha se tornado devorou a cidade inteira. Não resta nada. Só um buraco.
Opa.

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