Esta é a segunda parte do desafio Narrativa Retalhada. Para ler como começaram as peripécias do colega Grégore, clique aqui. Domingo que vem, Alisson que está careca, pausa para risadinha, vai dar continuidade às minhas loucuras, que não foram poucas. Boa sorte aí, falou.
Consegui
me mover, para o mal dos pombos espantados, que fugiram numa frenética ventania
de asas para cá, penas para lá e pipocas para toda a banda. Quis imitar a
liberdade dos pombos, ser do tipo que enche o papo na terra e acha refúgio nos
ares, mas meu tipo ainda vacilava entre o humano e o trem que o esquecimento
privou-me de conhecer. Mas bastou olhar para trás, fazer jus do corpo que agora
me deixaria andar entre a normalidade dos vivos, para ver que caído ao lado do
banco estava um livro de capa grossa que era senão a casca do caracol em cujas
dobras eu costumava morar.
Não
que tenha me voltado a memória de uma hora para outra e de uma vez por todas,
porque ainda me perguntava cadê meu deus para dizer memento homo. Acontece que
do livro aberto na grama, páginas vacilando ao vento dos pombos, saía uma fita
escamosa que terminava no meu umbigo e que um cordão umbilical sirva de argumento!
Voltei
ao banco para recolher o susto de notar minha estranheza, também o susto dos
que passavam indiferentes pela igreja todos os dias e hoje se depararam com a
nudez de um homem híbrido, um tantinho livro. Tá, possíveis explicações para o
porquê de eu querer mijar, comer, beber, comer de novo, por que diabos eu
também via, sentia, cheirava e sobretudo pensava quando era mero objeto. Por a
mais b: se fui homem por demais na época em que meu nome era grégore trevor
visto que eu não era pessoa, era coisa, a explicação só pode ser a seguinte:
quem me escreveu amava aquela figura de linguagem chamada prosopopeia.
De
pensar nisto, como a dar um passo à frente, quem foi que me escreveu? E se este
fui eu, se meus músculos de antes eram fibras vegetais de papel e ranhuras da
tinta, então para recobrar a memória bastaria ler aquele volume de folhas? De
pensar nisto, foi como dar um passo para trás, até porque o volume de folhas não
me contaria a tradução da vida de alguém e sim uma história com rodeios e uns
poucos personagens, uma problemática que começava na estante de um rei e, depois
duma perseguição frenética, desembocava numa praça de igreja, seguida por uma
queda, uns pombos, para enfim nascer o protagonista. E o protagonista, eu mesmo,
já ia ler o que dizia seu passado inteiro quando surgiu na esquina, lá longe,
uma correria que quase se confundia com um arrastão ou fuga em massa de uma
cadeia.
Nem
um, nem outro: vinham correndo um padre de batina preta, o Neymar ainda de
uniforme verde e amarelo e moicano, grande parte da guarda real e até o rei em
pessoa! Os olhos de todos estavam mirados em mim, corriam para mim e mim, índio
ou não, correu mais que tudo para além da matriz, além da feira, com o livro em
mãos, ó céus.
Parei
para tomar fôlego, ao contrário da comitiva, que me perseguia sem paradinhas
para ar, água ou dor de veado. De uma vez por todas, dei um passo à frente de
novo, não na avenida e sim na lógica do conto: li o nome do autor do livro e
reli para ver se não estava enganado. Porque embaixo do nome GRÉGORE TREVOR, que
titulava a capa grossa, repousava o nome daquele que, como ditava algum
capítulo dentro do outro lado do meu umbigo, era meu destino encontrar. Estava
escrito:
Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris = Lembre-se, homem, porque tu és pó e ao pó voltarás
ResponderExcluirSó pra me dar trabalho!!!
Vou esgotar toda minha criatividade tentando fazer isto ter alguma lógica...
Fazer isso ter lógica.... boa sorte amigo.
ResponderExcluirKaito, mais uma vez um texto confuso que faz sentido(ou não), mas eu gostei, o desenho também ficou ótimo!
WTF?
ResponderExcluirEntão o cara da primeira parte era um livro e agora na segunda parte ele virou um homem? ou alguém fez sexo com o livro e daí nasceu o Gregore?
Me confundi todo agora