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Acabou a
brincadeira.
Lá estava Fronrel, sentado em uma cadeira que se
sustentava no nada. Uma imensidão, um sem-fim de nada que o cercava por todos
os lados. “OLÁ!”, diz ele. Silêncio. De repente uma voz mecânica começa: “VOCÊ
DEVERIA TER SIDO MAIS CUIDADOSO!”, e o “CUIDADOSO” ecoa por toda eternidade
naquilo que parecia já ter sido um milhão de anos e vidas e que mesmo assim
ainda parecia longe do fim. Fronrel está nu, nu como no dia em que veio ao
mundo. Sente um ligeiro frio nas partes. De repente começa a tocar um funk muito alto. Escorrem lágrimas dos
olhos de Fronrel, ele sempre achou aquela música torturante, quase
insuportável. Então eis que surge Monquei à sua frente, todo ensanguentado. Ele
começa um discurso, mas pronuncia as palavras de forma errada e com um sotaque
atroz. Então aparecem todos os outros: Albinati, Choreilargado, Camaleão, R. e
até mesmo Linda. Monquei termina o discurso, o Funk começa a tocar mais alto ainda, então todos eles começam a
dançar no compasso da música. Fronrel tenta levantar-se da cadeira para sair
correndo, mas, como foi dito, a cadeira sustentava-se no nada, e Fronrel cai,
cai infinitamente, e ainda por mais tempo.
Fronrel acorda.
Fronrel está preso em uma cela. Uma de suas pernas
está presa à grade. Seu braço dói, percebe que lhe foi aplicada uma injeção,
não sabe para quê. Não consegue discernir muito bem onde está, pois, se a cela
tinha luz, não estava sendo usada.
Entra alguém na sala. Fronrel não consegue ver quem
é. Então uma luz muito forte se projeta na fronte de Fronrel. Desta forma, quem
lhe está apontando a luz consegue vê-lo, mas ele não consegue ver quem lhe
aponta a luz.
_ Bom dia. – diz a voz.
_ Quem é você? – Pergunta Fronrel, com visível dificuldade.
Não estava se sentido muito bem.
_ Isso não vem ao caso.
_ Então volte para dar “bom dia” quando vier ao caso.
– diz Fronrel.
O homem, embora não se saiba se é homem ou mulher,
desliga holofote e sai.
_=--
SEGUNDO DIA --=_
Ninguém
vem.
_=--
TERCEIRO DIA --=_
_ Bom
dia. – diz a voz.
_ Foda-se.
– diz Fronrel.
_ Então,
temos alguns assuntos a trat... - começa a voz.
_ O que
aconteceu ao meu pessoal? – pergunta Fronrel.
_ Temos
coisas a trata... – tenta novamente a voz.
_ NÃO ME
INTERESSA O QUE VOCÊ TEM PRA TRATAR! EU QUERO SABER ONDE ESTÁ O MEU PESSOAL! –
irrita-se Fronrel, e parte para cima da voz.
Um. Dois. Três socos na cara.
Fronrel cai no chão desnorteado. A luz se a paga, o portador da voz se vai. A Porta
se fecha.
Fronrel Grita. Nada coerente.
_=--QUARTO
DIA--=_
Fronrel
tem fome. A voz sabe disso.
_ Disposto
a conversar agora? – pergunta a voz.
_
Foda-se. – responde Fronrel.
Fronrel
respirava fundo com um búfalo e tinha dificuldade até em se manter em pé. Seu
metabolismo era muito rápido e agora já interava o quarto dia sem comer.
_ Você
precisa comer, mas só vai fazê-lo se cooperar. – diz a voz.
_ Se eu
preciso cooperar então vocês precisam de mim para algo, e se precisam de mim
para algo, não vão me deixar morrer de fome. – diz Fronrel.
_ Não se
superestime. Última chance, Cowboy.
Disposto a conversar?
_
Foda-se.
O portador da voz sai. Fronrel respira fundo, mal
termina a expiração, o portador da voz volta. Três socos na cara de Fronrel. Um
dente esvai de sua boca. Fronrel grita de dor. Escorrem-lhe lágrimas dos olhos.
Um saco preto é posto em sua cabeça. Ele é levado por um caminho demasiado
fragmentado, uma vez que tiveram de virar várias vezes durante o percurso.
É sentado em uma cadeira; tem mãos, pés e cabeça
atados, fixos aos braços, pernas e encosto de cabeça da cadeira. A cadeira
lembrava uma cadeira de barbeiro. Uma injeção intravenal lhe é aplicada. O
capuz é retirado de sua cabeça. Fronrel tenta se mover, mas está tão firmemente
atado que parece ter sido soldado àquela cadeira. Enxerga muito pouco.
Luzes se acendem. Um engravatado se faz presente. O dono
da voz havia sumido. O engravatado chega muito perto de Fronrel. Fronrel pode
sentir o frescor de seu hálito queimando-lhe os pelos nasais e a paciência.
_ Olá, Fronrel. – diz o engravatado.
Fronrel cospe em sua cara. Ele não faz o menor
movimento. Por alguns segundos fica ali, com a baba a escorrer-lhe pelo aro do
óculos escuro, que mesmo ali ele insiste em usar. Ele, na mesma posição, retira
os óculos da cara, pega um lenço, limpa a face, limpa os óculos, guardo o
lenço, recoloca os óculos.
_ Começaremos agora. – diz o engravatado, não para
Fronrel, mas para alguém que Fronrel não conseguia ver, uma vez que estava
preso à cadeira.
Da cadeira saem aros que se prendem às pálpebras de
Fronrel, segurando-as de forma a impossibilitar o cerramento dos olhos. Acima destes
aros estão dois frascos que pigavam, periodicamente, em uma rápida
intermitência, um líquido sobre as córneas de Fronrel.
O Engravatado se distancia. As luzes gerais se apagam.
Uma tela gigante se acende, Fronrel está de frente a ela. Uma série de sons
estranhos saem de dentro de amplificadores de alta qualidade. Uma série de
luzes coloridas começam a piscar nas laterais da tela gigante. Ao fundo dos
sons estranhos, Fronrel consegue discernir pequenos fragmentos de diálogos,
falas, mas não as entende com clareza.
A tela materializa imagens, uma série delas. Uma
mulher dirigindo um carro, cortando para um casal fazendo sexo, cortando para
um homem comendo um sanduiche, cortando para um casal velejando no caribe,
cortando para um homem batendo em uma mulher, cortando para a imagem de um livro
sujo de sangue, cortando para uma cena de um homem queimando uma pilha de
livros, cortando para uma mulher toda desgrenhada defecando na grama, cortado
para um homem batendo na própria cabeça enquanto assistia a um filme, cortando
para mais sexo, cortando para uma pequena logomarca, cortando para uma imagem
de dinheiro, cortando para um homem ejaculando, cortando para uma mulher saindo
de um shopping atulhada de compras, cortando para uma festa, cortando para um
homem jogando a aliança no chão, cortando para uma série de fogos de artifício,
cortando para um homem comendo uma fruta com a mais triste fronte, cortando
para uma mulher comprando um pastel com a mais genuína cara de alegria... e
assim seguindo, por muito tempo. Os sons eram perturbadores e seguiam, de certa
forma, as imagens apresentadas. Mas as vozes, as vozes é que incomodavam
Fronrel, elas não paravam, eram como um chiado que incomodava. Os sons
lembravam músicas do Kraftwerk com
uma pitada de música caribenha e sertanejo universitário e funk e lambada e
canto gregoriano. As luzes laterais que piscavam em todos os megatons da paleta
de cores causavam um terrível desconforto. Fronrel detestava aquilo tudo, mas,
curiosamente, estava a sentir um imenso prazer ao ver aquelas imagens e ouvir
aqueles sons, não entendia como.
Ficou naquilo não sabe por quanto tempo, só sabe que
estava a sentir uma leve ereção e não gostava daquilo, estava achando aquilo
tudo muito estranho, aquele não era ele. Ao fim do que pareceu ser a eternidade
os aparelhos se desligaram. Um engravatado se aproximou.
_ Você gosta bastante de ler, certo? Diz aqui nos
registros que você é admirador de um certo chamado José Saramago. – diz o
engravatado, com um tom de asco.
_ É verdade, ele é meu autor favorito – diz Fronrel,
com uma voz ofegante, não entendia porque, mas se sentia como se tivesse
passado o dia inteiro carregando peso.
_ E você consegue se lembrar de algum livro dele? –
pergunta o engravatado.
_ Ensaio sobre cegueira, ensaio sobre lucidez, todos
os nomes, clarabóia, Caim, a caverna, as intermitên...
_ Basta. – diz o engravatado. – MAIS!
Ele se afasta. O processo é repetido, mais um sem-fim
de tortura.
_ consegue me dizer qual livro dele é seu favorito?
_ Impossível, não existe um livro dele que seja ruim,
mas se tivesse que escolher um, escolheria o Best-seller Ensaio Sobre Cegueira.
_ consegue me dizer por que gosta tanto desta obra?
_ Porque ela trata da ignorância humana.
_ MAIS! - Diz o engravatado.
Recomeça o processo. Luz, filme, sons; tudo de novo.
Fronrel está cada vez mais aflito, cada vez mais
desconfortável com a situação, está sentindo um prazer crescente com aquilo
tudo e sua parte sã lhe diz que isso não é bom, que isso pode trazer danos
irreversíveis.
_ Este livro, Ensaio Sobre Cegueira, qual o enredo
dele? – pergunta o engravatado.
_ Ensaio sobre... sobre o que? – mente Fronrel, ele
teme que, se continuar a responder coerentemente, eles prolonguem a tortura.
_ Está mentindo, você ainda lembra do livro, eu sei
que lembra. MAIS!
Fronrel está perdendo a percepção das coisas. É
acometido por uma terrível dor de cabeça. Se esforça ao máximo para se desvencilhar
das amarras, mas elas lhe abraçam impávidas. Fronrel sente a boca dormente,
começa a salivar bastante, babar um pouco. Param de novo.
_ Então, este Saramago, você se lembra alguma frase
dele? Alguma sitação?
Fronrel está apático, não tem forças, foi
repentinamente acometido por uma terrível depressão, sente um leve desconforto,
sente-se culpado, sente-se errado.
_ MAIS! – diz o engravatado, agora com o sorriso do
Diabo nos lábios.
Tudo de novo.
_ Então Fronrel, qual sua banda favorita?
_ Pink floy...
_ Você pode dizer sua música favorita?
_ ...
_ MAIS! – diz o Engravatado, com um sorriso cada vez
maior nos lábios.
***
_ Então, Fronrel, terminamos por hoje. Desculpe os
inconvenientes. Vou colocar uma música pra você relaxar, Ok? – diz o engravatado.
Fronrel babava. Tinha o olhar vago, torpe. Tinha a
fronte desfigurada. Não tinha mais o olhar determinado de outrora nem o brilho
arrogante.
Começa a tocar sertanejo universitário, não se sabe a
dupla, pois todas elas tem a mesma cara e voz. O que se sabe é que, ao primeiro
compasso, Fronrel grunhiu. Grunhiu de alegria.
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