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E como água os dias vão. “Como água” é um modo
impreciso de definição. Como uma cascata. Os dias passam, a campanha prossegue.
Após aquele descuido relacionado à tevê, na qual Fronrel teve uma leve brecha
para acompanhar fatos do mundo exterior, só ocorreu semelhante caso uma única
vez. Foi por volta do mês quarto da campanha, no rádio, desta vez. No qual teve
um ligeiro trecho de uma notícia sobre uma revolta que estourara no centro da
cidade; não soube o que reivindicavam ou contra o que lutavam, mas ficou
satisfeito. As pessoas pareciam estar despertando.
E sim, o leitor não leu errado.
Passaram-se exatos quatro meses desde o início da campanha. E agora pularemos
mais dois. E alguns podem dizer “nossa, mas o narrador está omitindo muito,
está cortando muitos trechos da história”. E sim, talvez eu esteja, mas
digo-lhes, faço unicamente pensado em vocês, leitores. O que se deu nestes seis
meses foi uma sucessão de mais do mesmo em todos os aspectos. Nada além da já
conhecida rotina de Fronrel: Estúdio, cela, revisão dos discursos, expectativas
e, vez ou outra, algum chamado para um ligeiro interrogatório com o Juiz...
nada além, nada que valha prestação de contas minuciosa.
Enfim, basta dizer que ainda
voltaremos no passado uma única vez, afinal, creio que todos querem saber o que
sucedeu ao outro núcleo da história: R., Camaleão, Albinati e Linda. Mas não o
faremos agora.
Complexo de Épico
Fronrel acorda. Era véspera da
eleição. Nunca se sentira tão confiante. Por algum motivo nesses últimos dias,
os polícias apareciam-lhe na cela demasiado assustados, demasiado tensos. À sua
frente: Rádio, recorte do jornal da semana anterior e a tevê. Dois meses atrás
Fronrel desesperançadamente perguntou aos polícias se não poderiam lhe trazer
algum livro, qualquer um que fosse. Disseram-lhe que livros eram, nestes
últimos tempos, artigos bastante marginalizados e caros, de modo que seria
improvável um preso ter acesso a eles se já boa parte da população nem mais
lhes fazia menção. Pediu-lhes então algum filme ou cd para que matasse o tempo.
Trouxeram-lhe vários de ambos. Nenhum que lhe apetecesse. Apenas filmes pelos
quais nunca tivera gozo e músicas verdadeiramente pedantes. Perguntou-lhes se
não teriam algo de uma certa banda chamada Pink
Floyd, ou filmes menos... “epiléticos” (este foi o termo usado, referindo-se
Fronrel, claro está, à quantidade excessiva de efeitos especiais e cenas de
cortes rápidos e diálogos praticamente inexistentes), disseram-lhe que, por
nada a que se dedicar, tiveram a bondade de pegar os filmes mais repercutidos,
os blockbusters do momento, mas que
era só lhes passar os nomes dos filmes e das bandas que tentariam encontrá-los.
Fronrel sentiu leve desconfiança
daquilo tudo. Estavam demasiado mansos. Demasiado condescendentes. Fronrel fica
em silêncio por um instante, diz que pensará em algo e depois lhes passa os nomes.
O dia passa.
A porta se abre. Entram dois
guardas.
_ Fronrel, o senhor poderia, por
favor, acompanhar-nos? O juiz que ter uma palavra com o senhor.
Fronrel estava levemente
atordoado, nunca antes foi tratado com tamanha cortesia por seus carcereiros.
_ Sim, claro. – Disse Fronrel,
ainda meio receoso.
Passou por toda a extensão do
prédio, chegou àquela conhecida sala. As janelas estavam fechadas, as luzes
acesas, uma tevê estava ligada. À chegada de Fronrel o Juiz desliga-a, mas
Fronrel ainda pode ver de relance que se tratava de uma reportagem acerca de
algum protesto. Fronrel sorri levemente. A fronte do Juiz estava um tanto
severa, rija.
_ Olá, Juiz. – diz Fronrel, com certo
tom de ironia.
_ Olá, mas aqui pode me chamar
de Governante.
_ Você é Juiz, Governante e
ainda por cima é rico... é realmente um homem memorável.
_ No mundo de hoje basta ser
rico, o restante é consequência direta. O dinheiro pode facilmente subverter-se
em poder. E o pode de infinitas formas. Existiram aqueles, antigamente, que
governando ou detendo os poderes de julgue vislumbravam os grandes volumes
financeiros. Hoje se sabe que o caminho inverso também funciona muito bem e tem
certas vantagens consideráveis em relação ao primeiro.
_ Sofisticado.
_ Somos os titeriteiros. Nem
mesmo os políticos estão acima de nós.
_ É um assunto realmente
fascinante, mas creio que não fui chamado para aprender os meandros da
manifestação do poder, correto?
_ De fato. O que quero tratar é
substancialmente mais delicado, mas também é certamente algo de seu interesse.
_ Ouço.
_ Chamei-o para dar-lhe a chance
de desistir da campanha.
Por um momento o silêncio. Agora
Fronrel entendia a bajulação dos polícias ao virem chamar-lhe. Dá um leve
sorriso, mas faz questão de mantê-lo arqueado por um tempo considerável, para
que assim o Governador tenha chance de apreciá-lo em todo seu declarar de
vitória.
_ E o que eu ganharia com isso?
_ Total anistia.
_ Para mim e meus amigos?
Fronrel percebe um leve erguer
de sobrancelhas no Governador, mas não entende o reflexo.
_ A todos.
_ Inclusive para o Monquei?
Novamente o governador muda
rapidamente a expressão facial.
_ Sim.
_ E porque raios me propõe isso
agora?
O governador engole seco.
_ Porque sou bom.
_ Falso. Propõe-me porque tem
medo da derrota. Porque sabe que existe chance real e crescente de que eu ganhe
a eleição.
_ Se desistir será agraciado não
só com a anistia, mas também com generosos auxílios financeiros e estruturais.
Terá uma vida somente equiparável a dos reis medievais, será senhor, será
mandante, terá voz perante as grandes decisões.
_ Estou inclinado à recusa.
_ ENTENDA! – Exalta-se o
Governador. – Tudo que temos feito, todo o sacrifício, todas as medidas
drásticas, nada disso foi feito sem reflexão ou pesar. Acha que somos sádicos?
O fizemos por ser necessário. Dê tempo às ações e verá que o nosso ideal de
mundo será concretizado em um mundo justo e nivelado. Verá como seus atos
rebeldes, embora justificáveis, só foram executados pois não lhe era
possibilitada a total visão do ideal.
_ Seu mundo é podre, causa nojo,
ojeriza, me da repulsa. E mesmo que seu ideal fosse de fato este, nota-se que
suas ações, vis-à-vis seus planos, foram corrompidas, você se corrompeu. Já é
hora de você cair.
_ Dar-lhe-ei o dia para pensar.
_ Não se faz necessário, vejo-te
amanhã durante a apuração.
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Ps: É QUASE CERTO QUE O FINAL SAIA AMANHÃ. QUASE!
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