Eu queria que todos os meus ídolos fossem de cera, porque, assim,
nenhum deles teria a chance de me decepcionar. Queria que fossem de cera e que
não tivessem nenhuma plaquinha de identificação ou qualquer coisa que pudesse
saltar aos olhos dos rudes, porque, desse jeito, eles seriam mais íntimos de
mim. Queria que todos os meus ídolos se sentassem à mesa e conversassem uns com
os outros, mas somente sobre as coisas que neles me agradam, nada de assuntos
muito técnicos e entediantes, só refinados debates sobre a existência e sobre
as melhores maneiras para combater a minha iminente careca.
E foi com esse pensamento que acordei hoje, último domingo de outubro.
Seria bom se esse fosse o último domingo de todos – não sei se é por ser um dia
santo do descanso, ou pelos sorrisos familiares escorrendo da cara de todos, ou
pela programação da televisão: domingo é o dia dos mortos -, mas novembro logo
vem e com ele mais domingos. Acordei esperando que as figuras mais memoráveis
habitantes da minha cabeça estivessem à minha espera para o café da manhã.
Calcei meias grossas e a mais feia das minhas blusas de frio, penteei o cabelo
pra trás, as sobrancelhas no sentido contrário e fiz a barba só de um lado da
cara: assim só me reconheceriam os meus mais verdadeiros amigos.
O caminho entre o meu quarto e a cozinha tem normalmente um quilômetro,
mas hoje eram dois, dois mil metros de uma estrada beneficiada por tijolos
amarelos. Ramos de uma plantinha muito estranha arranharam os lados das minha
pernas ao longo do percurso; queriam se defender contra mim as pobrezinhas, mal
sabiam elas que eu sou tão inofensivo quanto um monte de bosta. Eu estava
armado com um facão, um machete, um pedaço de ferro cego oxidado, e qualquer
inimigo da revolução se daria mal se cruzasse o meu caminho. Os vizinhos
atiravam os dejetos acumulados da noite na minha direção para não emporcalharem
a entrada das suas casas; eu me desviava como podia e cumprimentava todos eles
amigavelmente, porque foi assim que me ensinaram.
Quando finalmente cheguei à cozinha, uma única pessoa me esperava.
Pacientemente tragando um imenso charuto que vomitava uma fumacinha verde e
trajando um uniforme militar também verde e permeado de medalhas e faixas
condecorativas, o comandante chefe, o pai de todos os amantes da liberdade, o
carrasco dos opressores e inimigo da subserviência. Ao avistar a minha figura
estranha na soleira da porta, el comandante jefe firmou a vista contraindo um
pouco os olhos e não tardou lançar um sinal convidativo na minha direção. Meus
batimentos cardíacos eram uma rajada de metralhadora e as minhas pernas
bambearam como papel, o que era o material que constituía o meu corpo.
- Comandante! – exclamei, fazendo uma reverência polida, a despeito do
meu estado deplorável.
- Sí – ele era impassível, como se fosse de cera.
- O que fazemos agora?
Não é possível que seja só isso.
- Sigamos derecho, derecho,
derecho, otra vez hasta La Dorada.
Caí aos seus pés,abraçando-o
com força, ele não me repeliu. Foi então que chorei convulsivamente. Chorei
tanto que derreti a cera que compunha a imagem de Fidel.
Palmas para você.
ResponderExcluirPor isso nunca me decepciono com os meus. Eles sao idealizados e pra quem me chama de iludida eu retalho com eloquencia ressaltando a eles de forma ironica que nada da vida confortavel deles e ilusao. Ora, ser bem sucedido na vida (ou melhor, filhos de bem-sucedidos), comprando coisas superfluas e luxuosas, enquanto na rua da sua casa passa um mendigo morrendo de fome e vc finge que nao ve ou tem vergonha de se aproximar pra ajudar. Ou, em outros casos, vc usa uma cheirosa cannabis pra ''viajar'', legal pq enquanto vc viaja, poderia estar produzindo algo bom pra compartilhar com os desprovidos. Mas nao! O meu heroi: Jesus Cristo e uma grande ilusao pq o cara me ensina a fazer tudo o que vc, incapacitado nao faz. Eu sou iludida!
ResponderExcluirEu espero que esse "VOCÊ" seja um tipo, um estereótipo, e não eu Oo
ResponderExcluirPorque se for eu, estaria sendo chamado de frívolo, insensível, estúpido e, pior, incapacitado!
Tudo isso num post onde eu escancaro o meu coração falando sobre o meu ídolo incompreendido.
E só mesmo Jesus pra saber o que é ser incompreendido...