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EFEITO
O leitor já calejado na
leitura desta série é conhecedor de meus caprichos no que se refere à escrita.
Naturalmente, tendo terminado o capítulo anterior com “Era uma boa pergunta”,
sendo esta uma frase que remete a Japonês e Bibliotecária, o natural seria eu
desviar os olhos oniscientes deste vosso humilde narrador e pousá-los sobre a cabeça
destes dois sobreviventes (sim, adianto que estão vivos) e lhes contar o que se
passa com eles. Já me viram fazer isso algumas vezes, mas não é o que se
sucederá hoje. Talvez devesse alguma justificativa, mas me abstenho de fazê-la.
Por hora, contente-se em saber que estão vivos. Para contrariar as normas de
suspense de um bom escrito, digo que este episódio e o próximo serão o eixo que
dará um rumo concreto a nossos personagens e história, que até então não
passara de uma série ininterrupta de desventuras. Mas, contrapondo-se a este
conceito que lhes entreguei, e que pode gerar expectativas frustrantes, esse
episódio tem um começo muito simples: Começa com uma dúvida comum.
Nossos personagens: Fronrel,
Monquei, Camaleão, Choreilargado, R. e Albinati não sabem aonde ir. O devaneio
sobre a situação do Japonês e da Bibliotecária os incomoda, mas não é nada se
comparado ao medo de serem emboscados. Ainda não haviam saído daquele esconderijo
para onde Choreilargado os havia levado. Fronrel começa a andar pelo local. O
local tinha um aspecto cavernoso, mas era artificial, lembrava um cenário para
gravações cinematográficas. Fronrel para em meio a uma pilha de objetos, começa
a fuçá-la. Deveria estar a propor alguma alternativa, mas estava cansado do
esforço de parecer ter uma alternativa a tudo, ninguém é de ferro. Um berrante,
Uma réplica de la Gioconda, um pacote
de camisinhas que brilhavam no escuro, um livro de piadas sobre minorias étnicas,
uma bolinha de gude, um olho de vidro, uma representação do mapa nacional de
1500, uma carta de amor, um encordoamento de Chelo, um guardanapo com mancha de batom, uma calcinha usada... Um
tapa-olho.
_ UOW!! That’s it.
Fronrel pede um espelho, R. entrega-lhe um espelhinho
de bolso, destes de retocar maquiagem. Ele contempla sua fronte. A quanto tempo
não se olhava? Tinha um ralo bigode que se lembrou de raspar na primeira
oportunidade; o cabelo estava grande; tinha também aquela faixa tapando o olho
esquerdo. Removeu-a. Contemplou, também pela primeira vez, o olho danificado.
Não estava tão mal assim. Na verdade, parecia que o olho nem havia sido
comprometido, só não conseguia abri-lo pois um coágulo de sangue na lateral o
estorvava. “Dane-se”, com o tempo iria melhorar.
A um leitor mais atento, a reação de Fronrel pode ter
parecido estranha, tamanho alarde por um simples tapa-olho. Bem, para tentar
transpor a vocês as razões, descrevo agora o tapa-olho: Era um tapa-olho Hardcore, parecia algo utilizado por Hell’s Angels. Era rígido, tinha uma
cruz invertida fabricada em metal incrustada no local destinado a tapar o olho.
Tinha alguns detalhes que lembravam caveiras ao longo da alça que o prendia à
cabeça. Resumo: Era foda.
Fronrel coloca-o. Sente como se agora emanasse de si
uma torrente de poder. Protela um pouco para que todos tomassem conhecimento de
sua nova figura e diz:
_ Na hipótese de acharmos um local, que é que
faríamos?
Silêncio.
_ Bem, acho que todos nós concordamos que dentro da
cidade é impossível, o que nos leva a uma consequência: Se quisermos
“sobreviver” devemos ir para o campo, para fora da cidade. Mas ai tem outro
problem...
_ Com o tempo eles podem começar a ir pro campo
também. – completa Monquei.
_ Exato. – Reitera Fronrel
_ Mas é a única saída – Argumenta R.
_ Concordo – Corrobora Camaleão.
_ Sim, mas, e se, como disse Monquei, começarem a
popular lá também? – Questiona Fronrel.
Silêncio.
_ É ai que eu pergunto: E se fizéssemos algo? –
Pergunta Fronrel
_ Não é tão simples assim... – intervém Albinati.
_ Teríamos a certeza de não estarmos andando a esmo e
também teríamos a esperança de um dia essa porra toda acabar. – Argumenta
Fronrel.
_ Também tem a chance, e é sem dúvidas a mais
provável, de todos acabarmos mortos – Explica Monquei.
_ Já não é o que se tem sucedido? – Indaga Fronrel.
_ E como é que faríamos? Supondo que faríamos. –
Pergunta R.
_ Não sabemos nem quem ou o que é a “cabeça” dessa
coisa toda – Argumenta Choreilargado.
_ Então ataquemos a base até que a cabeça caia de
frágil. – “Ta ai uma citação histórica” pensa Fronrel.
A verdade é que Fronrel tinha um plano, mas era um
plano que, para ser posto em prática, precisava do Japonês. Fronrel tinha
dimensão do que estava propondo, sabia que era arriscado, mas sempre teve uma
visão romântica acerca atos revolucionários. A verdade é que Fronrel não
pretendia ficar explodindo prédios e matando “zumbis” até alguém aparecer trajando
terno com uma faixa na cabeça escrito “Lider” para assassinarem. Fronrel não
podia revelar agora seu plano, sabia que era demasiado arriscado e que talvez
nem os que ele quer envolver aceitem, por isso é melhor revelar aos incluídos e
apenas a eles, talvez nem a eles.
_ Bem, primeiro precisamos de armamento, segundo,
temos de escolher locais com o menor número de pessoas possíveis, para
podermos, assim, causar bastante dano sem matar muita gente. Concordam? –
Indaga Fronrel.
Todos balançaram as cabeças.
_ Temos um contratempo – Lembra Choreilargado.
_ Que seria?
_ Poderio Bélico. Não temos mega armas e as que temos
já estão ficando sem balas. – Completa Choreilargado.
_ Não temos o mínimo treinamento de guerrilha,
também. – Completa Monquei.
_ Pormenores irrelevantes. – Defende Fronrel –
podemos conseguir armamentos assaltando qualquer casa de armas no centr...
_ ASSALTO!? – Indagam R. e Albinati
_ Bem... que mais pode ser feito? Não temos dinheiro,
assaltar um banco para ter dinheiro para deixar de assaltar a loja de armas não
faz o menor sentido.
_ Não quero ser indelicado, mas devemos ir embora
logo. Provavelmente o turno do próximo grupo deste lugar já deve estar próximo.
– diz Choreilargado
Saíram. Monquei pegou um relógio de pulso que havia
visto no mesmo monte que Fronrel pegou o tapa-olho, Camaleão pegou um anel com
o escrito “DIE!”, R. não pegou nada, Albinati também não, Choreilargado pegou
um livro, que, por hora, não se dirá qual foi.
_ Ok. Por mais que tenhamos um “suposto” plano, ainda
não resolvemos o problema de localização, não temos um lugar para ficar. –
Disse Albinati.
_ Relax, baby,
não iremos ficar aqui, iremos ao interior. – disse Fronrel.
_ COMO É!? – perguntam todos, quase em uníssono.
_ Bem, é o único lugar onde podemos firmar “base” e
elaborar qualquer coisa. – argumenta Fronrel.
_ E onde exatamente é esse interior? – questiona
Camaleão.
_ Bem, eu pensei em Trindade. – diz Fronrel, com um
sorriso nos lábios.
Nada se tem dito acerca dos pais dos envolvidos nessa
absurda narrativa. Basta dizer que, sem especificações, alguns estavam dentre
os que morreram no ataque ao Oscar Niemeyer, outros ainda estão vivos e outros
mais nem sequer saíram de casa, reproduziram a mesma atitude que os pais de
Fronrel.
_ E que faremos acerca da Bibliotecária e do Japonês?
– Indaga Monquei.
_ Não podemos deixar uma mensagem para que nos
encontrem... Pode ser que quem nos procura leia antes deles.
Silêncio. Que fariam? Depois de protelar muito,
Fronrel solta:
_ Só há um meio: Irmos. Se o destino for bom conosco,
os encontraremos novamente. – diz Fronrel.
_ Você não acredita em destino. – Retruca Monquei.
_ É hora do destino provar-me que vale a pena crer
nele. – Argumenta Fronrel.
_ Vai simplesmente abandoná-los? – Indignado,
pergunta Camaleão.
_ Não diga dessa forma – irrita-se Fronrel – não diga
como se fosse fácil pra mim. Não é fácil, devo muito à Bibliotecária. Mas, o
que mais podemos fazer? E outra, Trindade é aqui do lado, viremos aqui diversas
vezes.
Novamente. Silêncio.
_ Não quero parecer inconveniente, mas temos de andar
logo. – Explica Choreilargado.
_ Bem, o ideal é irmos para Trindade, quando
estabilizarmos, voltamos e começamos o processo de aquisição bélica. –
Argumenta Fronrel – Concordam?
Ninguém respondeu com voz, mas era visível que não
tinham outra opção.
Entraram nos carros. Monquei, Camaleão, R. e Albinati
em um; Choreilargado e Fronrel em outro. Era hora de ir.
Torceram
as chaves, os motores roncam, os motores esquentam, os motores abafam as
inquietações. Chamaremos o carro de Fronrel e Choreilargado de carro 1 e o de
Monquei, Camaleão, R. e Albinati de carro 2. O leitor mais questionador vai
perguntar o porquê da ordem. Digo ser aleatória, afinal, nem tudo requer
explicação.
No carro 1 toca Sound of Silence, de Simon &
Garfunkel; no carro 2 toca The Rain Song,
do Led Zeppelin.
“Hello Darkness my old friend,
i’ve come to talk with you again...”
“This is the springtime of my
loving, the second season I am to know”
É hora de ir. Sair do caótico centro não é fácil, as
ruas estão cheias. Novamente propagandas. Novamente mortos que caminham, que
caminham para seus trabalhos infelizes, para suas casas infelizes, para suas
vidas infelizes, pelas suas vidas infelizes. O grupo não está triste, mas há uma
espécie de apatia instaurada, como se pensassem que estavam entrando em uma
jornada longa, árdua, sem grandes vitórias e que lhes seria sem volta. Fronrel
acaricia seu revolver, não por eternizar uma cena cinematográfica, mas porque
pensava em seu pai, portador original do acessório; pensava também em sua mãe,
que vem em sua memória chorando ao vê-lo regressar como um “criminoso”.
_ Tem o bom e velho Jack pra gente? – Pergunta Fronrel, com um ar cansado.
_ E você acha que eu viajo sem? – Brinca
Choreilargado. Dito isso, retira de trás do banco a garrafa, que já vem pela
metade, serve-se de uma boa quantia direto do gargalo e passa a garrafa a
Fronrel, que bebe uma grande dose também.
Monquei estava cansado, não no sentido físico da
palavra, mas mental. Nunca aspirou grandes aventuras, queria sossego, queria
uma chávena de café e uma estante com Machado de Assis, Caio Fernando Abreu e José
Saramago, não queria essa corrida que, segundo seu ponto de vista, não levaria
a nada. Mas, contra sua própria vontade, impulsionado sabe-se lá Deus porque,
continuava. Acelerou o carro, pareou com o de Fronrel
_Hey! Tem bebida? – Pergunta Monquei.
_ Quer? – Pergunta Fronrel, com ar de surpresa.
_ Por obséquio. – Responde Marco
Monquei pega a garrafa, retira a tampa, aspira o
quente e doce aroma do marrom Whisky de Tennesse,
EUA. A verdade é que preferiria café. Deu de ombros e, ato contínuo, entornou a
garrafa. Contrariando suas expectativas a bebida desceu suave. Vira para o
restante do pessoal para, primeiro, ver se havia espanto em suas faces e,
segundo, oferecer a garrafa, que todos recusaram.
Não há muito que falar sobre o trajeto. Trindade é uma
cidade dita “satélite”, fica a menos de 20Km de Goiânia se considerarmos
fronteira à fronteira. Em meia hora e uma parada para Camaleão aliviar as
necessidades da bexiga, chegaram à cidade. Trindade é conhecida por sua
“religiosidade”, é pacata, pequena, sem perspectivas e monótona. Não planejavam
ficar na cidade, por isso passaram direto. Na parte posterior da cidade ficavam
as fazendas e chácaras. Acharam uma chácara muito bem adornada e mantida, porém
deserta, “provavelmente é para veraneio e fins de semana” pensa Fronrel.
Seria ali. Se calhasse dos donos aparecerem veriam
depois.
Para aliviar alguns anseios de você, caro leitor,
digo que os donos dessas terras jamais verão seus novos inquilinos. O processo
de “zumbificação” foi tão forte que agora se contentavam em pregar carimbos em
papeis numa firma de banco em Goiânia, nunca mais sentiram vontade de
visitá-las novamente. O receio de vender era grande, mas sentiam um enorme
prazer em ficar sentados vinte-e-quatro horas por dia carimbando petições de
empréstimo, cancelamento de contas, abertura de contas, saques volumosos,
correção de juros, baixa de títulos e coisas assim. Com o tempo, passaram a
usar fraldas para não terem nem de levantar para fazer tal serviço, o que foi
altamente encorajado por seus superiores; com o tempo, se esqueceram que um era
marido do outro. Trabalhavam para comprar nos domingos e voltar a trabalhar,
trajando ou portando aquilo que compravam, na segunda bem cedo. Com o tempo
deixaram de querer comer, então foram instalados tubos em suas laringes para
receberem alimentação sem necessidade de parar o serviço; com o tempo passaram
a odiar aquilo, passaram a odiar aquela vida, passaram a odiar aquela hipnótica
vontade de comprar e trabalhar, mas não conseguiam mais se desvincular daquilo;
com o tempo esqueceram que eram gente, começaram a esquecer as propriedades da
fala, as propriedades da palavra, as propriedades do cérebro. Viraram máquinas
de carimbo e consumo. Estavam magros, olhos fundos e face desfigurada, pareciam
débeis. Sábados e domingos: Compras, as mesmas sempre; Segundas às Sextas:
Banco. Banco e carimbo.
_É isso – disse Fronrel – Vai ser aqui, aqui começa
de verdade, é aqui que começa nossa história.
Fronrel sempre fora um romântico ao tratar de temas
assim, então não pode omitir sua contraditória empolgação. Parecia que, ao ver
o local, havia se animado, parecia que aquela apatia de agora pouco nem sequer
havia existido.
_ Vai ser aqui, aqui formaremos os Machados de
Eugênio.
ahh, não dá pra negar que eu amo a série e fico morrendo de ansiedade pra novos capítulos.
ResponderExcluirparabéns tá muito bom ^^)