Eu ajustei o meu horário todo de acordo com o relógio atômico de Césio-133 do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro. Engraçado que eu não sei se preciso de toda essa precisão e ainda me atraso ou, na maioria dos casos, me antecipo para fazer qualquer coisa. E piada maior ainda é que um primo desse Césio, alguns diriam isótopo, eu digo primo, o cento e trinta e sete, foi o responsável por fazer parar o ponteiro dos relógios de muita gente por aqui e o de outros ainda fez com que andasse para trás. Eu não preciso chegar na hora mesmo, quem precisa, só preciso que o relógio apertado como torniquete no meu pulso vermelho (mas já ficando amarelo) finja esbanjar certeza toda e cada vez que eu esticar meu braço na direção dos olhos.
Mas eu acredito na simetria. Ainda que só encontre estática sempre que tento sintonizar qualquer estação nesse canto do mundo e não ache que seria capaz de encontrar algo mais, mesmo que fosse embora, embora pra longe daqui. Não é isso que eles chamam de esperança, e dizem que é como uma âncora porque te mantém firme, e dizem que demora a morrer até não sobrar ninguém a não ser ela mesma? Eu quero morrer antes da âncora da esperança, definitivamente, porque o maldito do ânimo é tão precoce quando se trata morrer e todo o resto também parece ser, digo, precoce em morrer, mas eu não, e não é como se eu estivesse me esforçando muito.
Quando falo da simetria, quero dizer do encaixe das coisas e das forças que as compelem para ir parar, de uma forma ou de outra, no lugar onde foram destinadas a ficar. Eu prefiro acreditar na simetria do que ficar aqui, com frio e depois calor, com dor de cabeça e depois de barriga, com sono e depois insone, com vontade e depois, bem, depois não mais. Prefiro me agarrar nela, por mais inatingível e pequenina, do que só esperar. A gente tem que esperar, de qualquer jeito, mas é melhor esperar por coisas bonitas, que nem sonhos.
É melhor acreditar na simetria e esperar que uma hora, cedo ou tarde, tanto faz, vai haver algum lugar pra mim. Que seja o destino, que sejam fadas, anjos da guarda, duendes, que seja a entropia e suas misteriosas formas, que seja a gravidade ou as forças nucleares, que seja deus... embora eu desconfie fortemente dele e esteja contando, na verdade, com as fadas.
Sabe o que é simétrico? Não, espera, nem eu sei o que é. Tudo bem, tenho uma ideia, uma vaga concepção daquelas que a gente arruma quando criança e, por nunca encontrar nada na vida de gente grande que toque no assunto, permanecem iguais, intocadas. Não são as mãos esquerda e direita, ou as pernas, ou os olhos de cá e de lá, ou as orelhas. Mas ainda acho que não consigo pôr em palavras o que, aqui dentro, faz tanto sentido sem parecer ridículo. Só espero que as fadas da simetria me coloquem no lugar ao qual pertenço, por direito, no meio do meu caminho, ou mesmo no fim, para que eu morra, segundos antes da âncora da esperança e com um sorriso rasgado na cara.
Césio 137, espalhando o pó azul desde 1987.
ResponderExcluirAcho que também vivo na esperança de morrer antes que a minha âncora afunde.
ResponderExcluirnao seria uma má ideia.
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