Pós-zumbis - FINAL


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NOTA DO AUTOR:
Após pouco mais de um ano de série, salvo os interstícios, digo que basta, já escrevi o que havia para ser escrito. Houveram momentos altos, momentos baixos, alguns atrasos, mas a série que me propus a escrever está escrita. Termino-a hoje. Perdoem-me os erros de roteiro e os atrasos, são contratempos advindos da minha primeira experiência como escritor de ficção de longa duração. Aos que até aqui vieram digo obrigado, obrigado pela paciência e perseverança por acompanhar uma série que sei que em determinados momentos foi desmotivadora, mas creio que agora, ao final da jornada, o saldo tenha sido mais positivo que negativo. Sem mais delongas: PÓS-ZUMBIS!

FIM
 
                Sim, andamos muito. O que, a priori, parecia ter muita importância, com o passar da história se mostrou dispensável, outras coisas seguiram o caminho inverso. Mas aqui estamos, acompanhamos Fronrel e todos os outros até aqui, a derradeira hora. Posso dizer, como narrador, que estou um pouco desconcertado por agora terminar minhas obrigações sem saber o que fazer a seguir, mas não lhes importunarei mais com esta epopeia que já tem testado a paciência de todos. Por qualquer equívoco que eu tenha cometido, desculpem-me. Mas deixemos de lado os abstratos e partamos para os concretismos.
                E terminamos o diminuto texto anterior com a convicta afirmação de Fronrel de que ele não renunciaria a disputa. Sai com um sorriso triunfante da sala. Ao se dirigir à porta, sente um estranho desconforto causado pela sua visão periférica, olha novamente para o Governador, nada de atípico. Segue seu caminho, qualquer segundo a mais naquela sala seria apenas perda de tempo. É encaminhado novamente para sua cela. Deixa-se levar, tinha um ligeiro medo de uma tentativa de assassinato em virtude do desespero do Governador, mas se não o mataram até agora, pode ser que tivesse ao menos esta noite de sono. Deita-se sobre o lençol sujo da cama que tem ocupado nos últimos seis meses. Agora, à véspera da disputa eleitoral, recapitula seus passos até ali galgados. Pensa naqueles que perdeu; pensa naqueles que crê, com base nas garantias do Governador, estarem salvos; pensa nos lugares em que esteve e nos tetos sob os quais dormiu até chegar ali; tem ligeiras memórias da janela de tempo entre sua “lavagem cerebral” e o acidente de carro que o fez despertar daquele looping. Sente vontade de casar, não casar propriamente, mas de ter alguém para chamar de “minha”. Pensa também em seus pais, em como lho rejeitaram e, ainda sim, sente saudades. Pensa até mesmo em seu irmão, que foi o primeiro em quem percebeu esta mazela que acometeu grande parte da sociedade, e pensa em como o matou. Pensa em tudo. Pensa.
                Durante a noite dormiu, acordou apenas uma vez com uns ruídos vindos do rádio, nada coeso, nada longo. Voltou a dormir.
                Era dia, cedo. Abriram a porta da cela, dois policias, os dois tensos. Perguntaram se Fronrel gostaria de se vestir formalmente para a apuração dos votos que se daria durante à noite, ele respondeu que sim, gostaria. Vestiu uma calça jeans lisa bem escura e levemente justa, uma camisa e um paletó aberto, ajustou o cinto à cintura da calça, abotoou um relógio ao pulso e contemplou-se no espelho para ajustes menores. Calçou um par de sapatos de bico fino, estava pronto. Não queria aparecer ao público sob a carranca de um terno totalmente formatado e engomalinado, não que não gostasse, apenas, à ocasião, gostaria de trajar-se abdicando de modos formais ao extremo. Há muito não via os “zumbis”. Há muito não via as ruas, os prédios, as propagandas, a fumaça, o ar denso da cidade, o ar denso da sociedade, a asfixia do consumo. Sabia que não havia sol no céu, não sabia como, mas sabia-o.
                Ao sair do closet vê o Governador, este se apresenta com uma tez tensa e levemente suada, dando mostras pecaminosas de seu nervoso. Fronrel ironiza mentalmente. Fronrel acreditava que teria a companhia de seus amigos durante o processo, o Governador explicou-lhe que somente após a votação tal seria possível, Fronrel conforma-se, não faltava muito.
                E o Governador diz:
                _ Disposto a uma caminhada?
                _ Nas ruas?
                _ Sim, nas ruas.
                Fronrel parecia duvidar das intenções do Governador, mas a vontade de ver o mundo novamente o fez aceitar rapidamente a ideia.
                Sim, é paradoxal a visão que Fronrel tem do próprio mundo, não chega a odiá-lo, mas sente muita raiva dele, porém, mesmo sentindo tanta repulsa do mundo em que vive, ama-o, ama-o de fato.
                Saem. Fronrel contempla a claridade do Sol, a única verídica em nossa vida, e que as lâmpadas elétricas tentam inutilmente emular, seus olhos se constrangem. E Fronrel contempla o mundo, em sua imutável monotonia e leviandade, em sua irracionalidade e em seu egocentrismo, o mundo, tal qual nós homens o fizemos, à nossa imagem e semelhança. Bem longe, como pontinhos, vê alguns zumbis perambularem pelas ruas.
                _ Esperançoso quanto à votação de hoje? – pergunta o governador.
                _ Levemente confiante, devo dizer. – responde Fronrel.
                _ Não reconsiderou a desistência?
                _ Não.
                Um instante de silêncio. Continuam a caminhar pelas ruas. É importante dizer que não saíram do pátio do prédio em que se encontravam. O Governador disse que Fronrel não poderia sair às ruas até que a votação se desse. Andaram por quase meia hora, até que o Governador disse: “neste momento as zonas eleitorais estão sendo abertas, provavelmente daqui a um ou dois minutos o primeiro voto será depositado”. Fronrel permanece em silêncio, os braços postos para trás, contemplando o céu cinza e o chão duro.
                E se vai a tarde, alguns alardes nas ruas podem ser ouvidos do prédio em que está Fronrel. Foi dada a ele a permissão de ficar no pátio se assim quisesse, desde que acompanhado de um polícia.
                Ficou no pátio apenas por algum tempo, cansou-se, decidiu voltar para a cela. Ironicamente decidiu por escrever uma carta caso fosse morto, ao finalizá-la colocou-a no bolso interno do paletó e lá ela jazeu, ou assistiu, se preferir.
                Ao chegar da noite enervou-se um pouco, estimava que suas chances de derrota eram ínfimas dados todos os sinais, mas ainda sim cogitou que poderia estar errado. Deu-se uma repreensão, seria o que seria, sucederia o que tivesse de suceder, e tais frases são oriundas de uma mente que nem em destino crê. Rezou, inclusive. É impressionante como algumas pessoas se voltam para deus nos momentos de dificuldade mesmo nele não acreditando. Pediu ao “Alfa e Omega” que em outrora tanto desacreditou por auxílio. Naturalmente que não foi o que poderíamos chamar de exemplo de fé, mas Fronrel se conformou com a premissa de Santo Agostinho, que dizia que o rito elevasse eclesiasticamente por si só, basta fazê-lo, independente do nível de concentração.
                É chegada a hora da apuração dos votos, dois polícias vêm para escoltá-lo até a sala onde ele e o Governador acompanharão, via um telão, a contagem.
***
                Faz-se agora uma pausa para um solilóquio narradorístico, e se palavra não existe, e sei que não, passará a existir por legitimidade dos neologismos. Fiquei no dilema de narrar antes a apuração dos votos e depois o que se sucedeu com o nosso outro grupo de (anti)heróis, ou narrar primeiro o dilema deles e depois o de Fronrel. Optei pela segunda escolha não por um suposto protagonismo de Fronrel nesta história, mas sim porque, sendo o final das eleições um final derradeiro, creio que seja mais poético deixá-lo para o final literal.
                Sendo assim, antes de contar como foi a contagem, o que ocorreu depois dela e o que se deu de Fronrel, conto-lhes agora o que se sucedeu com R., Camaleão, Albinati e Linda. Acompanhem, acompanhem o retorno a seis meses atrás nesta humilde anedota:
***
                Ao ouvir que Monquei havia morrido R. toma sua decisão, toma sua decisão frente a este mundo amargo e desprovido de humanidade, embora habitado por aqueles que reivindicam a denominação “humanos”. Naturalmente que decisões de tal natureza, tomadas à sombra de notícia de tamanho impacto são mais impulsos que de fato decisões, mas nem por isso somos cegos quanto a elas, só nos deixamos ser mais arbitrários quanto ao julgamento das mesmas, mas consciência temos total e plena.
                R. olha inexpressivamente para o homem à sua frente. Desde que ouviu a palavra morte anexa a Monquei seus olhos desbotaram, as cores de sua pele se esvaíram, seus lábios tornaram-se mais claros, seu coração, mais lento. Uma única lágrima desce por sua fronte, deixa seu lastro dos cílios inferiores até a bochecha. R., em um movimento rápido e furtivo, pula sobre o homem, este assustado, dispara o gatilho da arma. R. voou sobre ele de modo tal que não deixou o cano da arma de fora da área de seu corpo. O barulho do tiro, ela sangra.
                Camaleão, com ligeiro atraso pula sobre o homem também, agora tira-lhe a posse da arma, aponta-a e o homem permanece imóvel e assustado. R. sangra, sangra e escorre-lhe sangue por entre os lábios fechados, mas seus olhos transparecem algo com indiferença. É como se a ela não importasse, é como se houvesse perdido a gana de viver. Camaleão tenta ergue-la, mas sabe que é um esforço inútil, dado o local onde estão e a situação em que se encontram. Em poucos minutos R. expira. Percebem pelos olhos fixos e balançar do peito que cessou.
                Camaleão cerra-lha os olhos. Tomado pela cólera dispara dois tiros contra a cabeça do carcereiro que os havia libertado. Desesperado pela recente consciência de que os tiros podem ter sido ouvidos e que podem sofrer severas punições argumenta:
                _ TEMOS DE SAIR DAQUI AGORA!
                Albinati intervém:
                _ Mas é a R.?
                _ NÃO HÁ TEMPO, SE FICARMOS SOFREREMOS O MESMO QUE ELA.
                Saíram todos em corrida. Se olhássemos os olhos deles perceberíamos que não eram mais como antes, que eram como os de R., que eram como os olhos dos mortos, pois viviam, fato, mas atrelavam sua motivação a nada, viviam apenas por que este é o mais primitivo dos instintos humanos. Correram para nunca mais serem vistos, sabe-se lá deus para onde.
                Nunca mais se teve notícias de nenhum deles.
***
                Pois bem, mas voltemos ao Fronrel e ao derradeiro final desta história.
***
                A apuração começou e terminou, e na medida em que foi terminando, só eram descritíveis duas coisas, a fronte da vitória e a fronte da derrota. Ambas lado a lado de frente ao telão.
                Fronrel havia perdido. E havia perdido por uma margem muito grande. Seus olhos estavam mínimos, seus rosto era a definição da incredulidade, seu coração batia como um martelo. E ele diz, após o ultimo voto apurado:
                _ Eu... eu... não... entend... Eu não entendo...
                _ É claro que entende. – diz o Governador, com um sorriso na cara.
                _ As revoltas que vi e ouvi por tevê e rádio, como ainda sim isso é possível? E vi também suas expressões de preocupação... COMO!? – Desespera-se Fronrel.
                _ Bem, digo-lhe que as “caras” que me viu fazer e que viu os policiais fazerem foram “encenações”. Encenações justamente para fazê-lo acreditar em certas coisas.
                _ MAS EU VI AS REVOLTAS POR BRECHAS NA TEVÊ E NO RÁDIO, EU VI! – Diz Fronrel já caindo em prantos.
                _ Sim, viu, mas você já deveria saber, não sendo um otário, que mesmo protestos são previsíveis e são facilmente contidos.
                _ MAS FORAM TÃO POUCOS VOTOS!
                _ Sim, sim. Fato é, você ia ganhar, mas não pelos motivos que acreditava. Você acreditou que as pessoas estavam tomando consciência, mas não é por isso que se instauraram as revoltas. Estas se instauraram simples e unicamente porque as massas absorvem tudo. TUDO. Se lhes disser qualquer coisa elas aceitam. Bastou você, com sua eloquência, apontar alguns pontos negativos no governo que elas acreditaram, mas acreditaram sem pesquisar, sem ir atrás, simplesmente acreditaram no que você disse pela tevê e tomaram tal como verdade. O que não foi diferente com o que nós fizemos para tomar o controle da situação, colocamos preços mais baixos em mercadorias supérfluas e aumentamos o nível de inquisição da publicidade. Pronto, revolta conformada e normatizada.
                E o governador continuou:
                _ Você diz, Fronrel, que a sociedade está desvirtuada, está triste, está iludida e hipnotizada. Você diz que ela está subjulgada, que é egoísta só por que lha moldaram assim. E você em nenhum momento esteve errado, a não ser em uma afirmação: a de acreditar que elas não tinham consciência disso tudo. ELAS SABEM DISSO, ELAS ACEITAM DE BOA VONTADE. Porque entenderem isso como inerente a natureza humana. E para elas é melhor viver desta forma, tendo a chance de oprimir e inviabilizar o próximo, do que negando a própria natureza. O ser humano É egoísta, É seletivo, É não comunitário. Aceite.
                E Fronrel, mesmo sob tantos tormentos, refletiu. E após poucos minutos, desistiu de tentar debater com o Governador, ele estava certo. E Fronrel desaba em choro, cai de joelhos e começa a se debater e dar socos no chão. O Governador aperta um botão em um controle e no telão aparecem imagens da cidade, dos zumbis indo às compras, dos zumbis fazendo o que os zumbis fazem, consumindo ininterruptamente e indiscriminadamente, sem escrúpulos ou seletividade. E Fronrel simplesmente desliga uma válvula em seu cérebro, simplesmente deixa de tentar, desiste. Ele levanta solenemente, já não raciocina imperativamente, apenas segue um fluxo de pensamento subconsciente, como um plano B há muito armazenado. Chega ao polícia que estava à porta, pegou-lhe a arma. O policial tentou impedir, mas o Governador deu ordem de que deixasse. Fronrel ergue a arma à própria cabeça e dispara. E Fronrel morre. E o último pensamento que passou pela sua cabeça foi: “como é que eu pude errar tanto”.
                Do Camaleão, Linda e Albinati nunca mais se soube notícias. Da Bibliotecária e do Japonês, desaparecidos há muito tempo, também não se sabe o que sucedeu.

8 comentários:

  1. Respostas
    1. é fato que o comentário foi meio abrupto. Eu pensei em, após a morte de Fronrel, cortar para alguma cena na cidade, mostrando os zumbis em sua apatia, mas optei por deixá-lo cru, frio, justamente para mostrar a ordinariedade das pessoas, a não especialidade delas, aplicável a todos os personagens desta série.

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  2. Melhor que muitos best seller's que já li, parabéns!! Voce tem o talento, não deveria parar por aqui.

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  3. Poxa... muito obrigado, anônimo. :) é realmente gratificante saber que vocês gostaram.

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  4. O melhor da série são suas ironias realistas, vê o mundo de um modo incomum e isso é muito bom de se ver numa pessoa tao jovem. Foi notável sua evoluçao ao longo dos episódios e temporadas, acho que deveria seguir a sugestao do outro anonimo.

    Estarei a espera.

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  5. aaaaaaaaah não, o fim nãoooo! =/
    foi lindo, Ian, Parabéns ^^

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