O HOJE


            E naquele dia, nascemos... claro, não foi exatamente nele, mas ele foi instituído como o dia em que lembraríamos de tudo até então feito, e de tudo até então traçado.
            Nós, que agora éramos inerentes à conexão, nada mais éramos do que o mesmo de antes, mesmos braços e pernas da mesma carne de sempre, com os mesmos ossos, nervos e veias e artérias de sempre, e todo o mais que no corpo está. Mas éramos, de alguma forma, diferentes, diferentes daqueles que geraram o mundo no qual nascemos. Diziam que antes não existia essa conexão. Diziam que antes as coisas eram diferentes, tanto as conversas quanto os locais, tanto as formas quanto as noções de diversão, de certo e de errado. Nós nascemos neste mundo, completamente alocados nele, completamente imersos nele, completamente indissociáveis. De fato, entender o mundo tal qual era antes do que víamos, era nada mais do que uma mentira convencionalmente aceita, nenhum de nós conseguia imaginar o mundo antes da total e plena conexão. Antes da integração universal e veloz de todas as ideias, pensamentos, reflexões, piadas e profecias. Nenhum de nós entendia como a roda girava antes disso.
            No dia em que instituíram o dia “em que nascemos”, o fizeram só por já entender como irreversível, o que há muito já se via e se sabia. Não mais conversas de bar, não mais contar a novidade pessoalmente para a vovó, não mais convidar amigos nos fins de semana para vir a nossa casa jogar jogos de qualquer espécie. Perceba, falo disso tudo pelo que ouvi dos que me antecederam, não vivi nada disso, e não entendo como isso tudo funcionava. Agora estávamos sempre em conversas e trocas com aqueles que conhecíamos, e até com aqueles que não conhecíamos, fazíamos tudo por meio das conexões, já nascemos com elas, nada mais natural. Já eram, quando viemos, parte mister na vida e nas funções diárias do cotidiano. É verdade que muitas coisas, segundo os velhos, piorou, mas acho que só falam isso porque não conseguem se adequar às novas tecnologias, velhos são sempre assim, alguém me diz porquê?
            Mal saímos de casa, por assim dizer, mesmo os trabalhos são cada vez mais residenciais e administrativos, para não dizer burocráticos. A conexão nos permite estar com todos ao mesmo tempo e à mesma hora, sem que eu tenha de levantar do sofá, ou sem que eu tenha de parar de comer o meu hambúrguer de copo.
            Nesse mundo nascemos, e é esta, e só esta, a realidade que conhecemos, não vivi futebol na rua, nem partidas de vídeo-game presenciais, nunca entendi essa história de CD e DVD, nunca vi um livro de papel e não sei até hoje se entendi plenamente o que é um lápis.
            E é esse mundo que eu abracei com a vida.

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