Ouro de Tolo


                Eu devo ficar feliz, eu devo ficar contente com o que conseguirei daqui pra frente.
                Vou me formar, com sorte terei um bom emprego, com muita sorte, porque se, como 90% de meus colegas, eu virar professor, não sei se poderei dizer disso bom emprego, não pela profissão, claro adianto, pois lha acho digníssima, das mais honradas e merecedoras de louvores, mas parece que quem paga os professores não pensa o mesmo, de modo que, me tornando um deles, me tornando um professor, à mercê desta realidade também estarei.
                Eu deveria estar feliz por cada vez mais o homem não ter como descansar, pois alguns trabalham seis dias da semana em cargas atrozes, com suas folgas caindo em dias de semana. Como é que eu vou comer a macarronada de domingo da vovó em plena terça-feira? Como? Como como? Mas eu devo estar reclamando de barriga muito cheia. Existem aqueles que nem folga tem. Pela urgência dos anseios, pela fatiga do corpo, pela necessidade dos familiares têm de trabalhar até onde o corpo, de exausto, nem se aguenta. E como é que podem cobrar desta pessoa e dizer-lha sem instrução? Que condição ela teve? Ela nunca vai poder discutir Marx, Kafka ou Machado de Assis comigo, mal tem refresco para assistir a um dos poucos deleites que os de cima deram pra ela, a novela das oito que começa as nove.
                E eu devia estar feliz por ter quem me dissesse: “você não pode fazer só o que quer”, porque assim eu pude perguntar “e porque não?”, para que, enfim, soubesse a resposta “porque se você fizer só o que quer e não arranjar um trabalho, você não vai ter dinheiro para fazer as coisas que quer.”
                Eu devia estar feliz por ter conseguido não o emprego que eu sonhava, mas o que me foi possível, pois assim, ao menos, eu não morro de fome e consigo pagar minha bebida. A, mas que sujeito chato sou eu, que tem o que muitos querem e só sabe reclamar e reclamar, e não acha graça em nada.
                Eu devia, senhor, eu devia agradecer-lhe por ter-nos dado a vida. Depois o senhor foi descançar, e é justo também, até tu, rei dos reis e provedor dos provedores, tem o direito ao recanto e ao sono. E não tem problema se o senhor do sono nunca acordou, porque a culpa da nossa miséria é exclusivamente nossa, não é do senhor e nem do vilão que dizem estar em guerra contigo. E alguns podem me perguntar “como assim, nunca acordou?”. E eu diria convicto que o senhor ainda hoje está de férias. E podem até me responder um sonoro e alto “NÃO”, que eu replicaria “pode até ser que ele esteja acordado, mas se está, ele nunca mais olhou pra cá.” Claro está que tal frase é antes um panfleto que uma real convicção, pois é como lhe falei, senhor (que nem sei se ai está), a culpa é única e exclusivamente nossa.
                Que mal agradecidos seriamos se, ao invés de tentar resolver nossos problemas, ficássemos jogando a culpa no senhor ou pedindo do senhor a resolução às nossas cagadas.

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