Você diz que
tem medo de morrer, que a vida vai por aí e um dia não vai mais: um dia está e
no outro não mais. E pode até ter razão, porque quando as horas escorrem ácidas
pela porta da sala e ninguém aparece pra dizer ‘ao resgate’, sua perspectiva
muda.
Eu, que nunca acreditei no natal, agora quero
as renas pra mim, quero um trenó e um plano de vida; isso mesmo, presentear as
crianças que dormem. Enquanto dormem, veja bem, porque o homem atrás do bigode
é sério e estragaria o natal.
Você diz que
isso cansa, essa cara amassada que é a primeira a te cumprimentar pela manhã –
no espelho – cansa. Mas quem mais te cumprimentaria, criança? Escuta quando
digo que essa cara amassada é um alento pra você e um castigo para os
transeuntes. Passa com ferro quente, vê se ela sara e segue com as suas coisas.
Ontem
abandonaram um bebê na rua e você se perguntou ‘quem faria isso?’. As mesmas
pessoas que abandonaram Cristo e Joana d’Arc e as mesmas que te queimarão na
cruz se perder o juízo. Ninguém gosta de um desajustado, passa essa cara.
E de manhã,
quando o despertador tocar e as cobertas esparramadas pelo chão denunciarem uma
noite inquieta, não esqueça os óculos no criado mudo. Pra ser mais exato,
limpe-os na barra da camiseta e confira sua precisão. De óculos limpos, a cara
amassada não vai mentir pra você. Sorri pra ela, passa com ferro quente e segue
com as suas coisas.
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