Pós-zumbis 4ª Temporada (5)


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Do atávico riso ao egoismo 

                Fronrel estava estático, não pensava ter ouvido errado, havia ouvido claramente, em auto e bom som, sem chance para interpretações dúbias; o que lhe valia a reflexão era o behind desta absolvição. Fronrel já havia passado por muita coisa para acreditar em milagres ou condescendências de tal magnitude. De modo que não teve outra escolha, a não ser implodir em atávico riso. Ria um riso notavelmente cansado, mas um riso a pleno gozo, que faria gosto a um nadador, por atestar força e volume àqueles pulmões.
                Não sabemos ainda as intenções do Juiz, tão pouco se o que se narrará foi encenação ou genuína perplexidade, mas o algoz de barriga exorbitante e pernas diminutas se mostra estarrecido com a cena.
                _ E por que ri, Fronrel?
                _ Oh... por nada... por nad..HAUhauhuHUAHu – Fronrel forçava um riso convincente para tornar ainda mais caricata a cena – é só por duvidar de tamanha generosidade.
                _ Não é generosidade, reconhecemos a sua posição como equivocada, mas também nos apercebemos do seu problema concernente às faculdades mentais, de modo que, indicaríamos um tratamento.
                Ele faz uma pausa, bebe algo que nos é representado como água. Fronrel se mostra curioso e levemente incomodado, tinha uma paisagem mental de uma clínica psiquiátrica; preferia a cadeia.
                _ Entretanto, sabemos que você não reconhece nada de errado consigo próprio, algo bastante característico das patologias psicológicas. De forma que optamos por tentar ouvi-lo, então vá lá; nós, bondosos do estado, defensores da ordem, do progresso e do bem estar social, damos-lhe a palavra para expressar sua insatisfação, seja ela qual for.
                Fronrel já havia pensado em tal cena, em um dia glorioso em que, à luz do Sol, faria um discurso marcado pelas frases históricas e pelas pessoas histéricas, a conclamá-lo como novo salvador, como grande profeta, como o novo Moisés... mas agora, frente à cena, nada saía-lhe da boca. Após pausa mediana para reordenar o cognitivo, Fronrel intenta:
                _ Este mundo está esgotado, vocês o destruíram, vocês o tornaram podre, saturado da sua lógica de valores, da sua ganância, da sua postura maquiavélica, dos seus métodos behavioristas; que são alicerçados por falsas recompensas; da sua falta de tato para com o humano. Vocês deformaram a humanidade, vocês fizeram do homem marionete, joguete para ir e vir consoante as vossas vontades de aumentar os zeros à direita nas contas bancárias, vocês são vis, são metódicos até na frieza. Vocês são o câncer desse planeta.
                _ São palavras duras as que joga contra nós, Fronrel. – diz o Juiz, e emenda. – e você, quê é? Por acaso julga ser deus ou entidade semelhante? Quem é você para dizer para uma sociedade que majoritariamente aceita o estilo de vida que segue é infeliz e é subjulgada? Quem é você para afirmar erro nas escolhas das pessoas?
                _ Vocês distorcem e corrompem a informação, vocês se provam exímios estrategistas, dão a ilusão de informar, mas na verdade o que fazem é deturpar, verdadeiros faturadores da opinião social, aliciam os meios de comunicação como se estes fossem produtos de loja de departamento, vocês são a escória.
                O Juiz, ainda não sabemos se atuando ou não, se mostrava cada vez mais consternado e ofendido com as acusações.
                Fronrel era um verdadeiro atirador de facas, mas verdade seja dita, eram simplesmente facas. Fato é que as acusações eram bonitas e tinham seu peso, eram bem construídas do ponto de vista da impressão imediata, mas não apresentavam argumento valorado pela experiência empírica, tão pouco por alguma sofisticação teórica, eram simplesmente vísceras jorrando.
                O juiz, após ouvir toda ladainha, nos é apresentado se recompondo pesarosamente, de forma caricata e há quem diga, com demasiado enfoque nos gestos.
                _ E o que sugere?
                _ Sugiro a exposição da verdade, limpa e crua, mas sei que não o farão. Sei que o que estou aqui a dizer de nada vale, sei que muito provavelmente estarei morto antes do por do sol, sei que antes do inverter dos dias as minhas palavras já haverão sido esquecidas, sei que minha imagem só terá uma serventia de agora à frente: servir de chacota para a opinião pública e exemplo proclamado pelo Estado para os desertores como eu.
                _ Tenho tanta pena de ti, ó, Fronrel; pergunto-me que traumas deve ter sofrido para se tornar tão paranoico e para ser capaz de formular teorias tão equivocadas.
                _ NÃO ZOMBE DE MIM! – irrita-se Fronrel.
                _ E se – principia o Juiz, contornando o destempero de Fronrel - eu lhe concedesse a oportunidade de, durante o período de seis meses, utilizar-se da maneira que quiser dos meios de comunicação de massa, em um horário préviamente estipulado, para que você fizesse o uso que quisesse? Pressupondo, naturalmente, que tais usos destinem-se a informar a população sobre esta sua dita “verdade”.
                Fronrel está bestificado. Estava muito fácil, estava bom demais; ele já está à espera das gargalhadas estraladas e dos comentários que enunciavam a quem quisesse ouvir a cara de esperança, a ingenuidade de Fronrel, a piada mais fácil da história. Mas os risos não vêm, os comentários maldosos também não; o silêncio reina soberano. O que faz Fronrel se impressionar ainda mais.
                _ De quê adiantaria? – pergunta descrentemente Fronrel – Vocês privam da liberdade aqueles que de vocês discordam, adjetivam-nos de adjetivos de toda a sorte, acusam-nos dos piores crimes e feitos; de quê vale me darem suporte para tentar difundir a verdade se esta só servirá para engrossar as estatísticas prisionais?
                _ E se eu propusesse uma eleição ao final deste período? Você inclusive poderia se candidatar, você inclusive poderia mostrar-se um melhor gestor que nós, já que tanto nos critica.
                Fronrel percebeu então a articulação; Fronrel percebe a intenção. A intenção era subvertê-lo à lógica daquele sistema, corrompê-lo, fazer dele a prova viva contra ele mesmo, transformá-lo na contradição que exemplificaria a falta de caráter e as contradições destes que se colocavam como oposição ao status quo. Mas Fronrel tinha um sorriso na cara, não se corromperia; se havia algo que quê confiava era na própria índole, na capacidade de gerir sem se corromper, ou, admitindo que todo ser humano em uma ou outra instância se corrompe, se corromper o mínimo possível.
                _ Ainda não consigo crer no que dizes, mas me valho da sua suposta bondade para provar minhas convicções, aceito a proposta.
                _ Eis então sua sentença; ficará em cárcere fechado, tendo autorização para acompanhar televisão, rádio e internet em sua cela, de modo que terá como aferir a imparcialidade com que seus argumentos e tentativas de informação. Terá ainda direito a uma ligação semanal para falar à quem quiser. Ao final do processo, se ganhar, reconhecerei, pelo poder que em mim é legitimado, a derrota de nossa perspectiva de governo, transferindo assim o cargo a você. Se perder, continuará em cárcere até o cumprimento integral da sentença. Fiz-me entender?            _ Claro como o dia, vossa excelência.
                É importante atentar para o curioso nível de erudição linguística em que se deu toda a confabulação. Em primeiro lugar, sendo Fronrel um homem que tenta jogar com as peças que lhe são fornecidas. Ele tentou se portar como manda o figurino quando o assunto é tribunal judiciário. A outra razão é a tendência que Fronrel tem a não ter um modo de falar sólido, salvo algumas expressões que lhe são típicas; Fronrel é daqueles que adéqua expressões, sotaques e timbres consoante o outro, ou outros, participante do debate. Mas estas são particularidade que o autor só está a explanar por desencargo de consciência.
                Enfim, fato é que o Juiz falava a verdade, deixemos bem claro. Haverá sim espaço na tevê, no rádio e na internet para que Fronrel possa se manifestar da maneira que achar pertinente à própria campanha; é claro que Fronrel, sempre dotado de suas visões romancistas, acaba por pensar em uma metodologia de ação mais teleológica, ou seja, simplificando, visa interesses egoístas, e por egoístas entenda individuais; mas em vias gerais ele tentará ser o mais cristão possível, visando o bem das pessoas, a instrução para que estas possam enxergar a verdade que delas foi omitida.
                E começam as disputas.

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