Se não posso sonhar, então invento meus próprios sonhos.



                E houve, certa vez, esse garoto. E ele nunca sonhava. Sempre estava a ouvir outras pessoas, amigos, familiares, celebridades, a falarem de sonhos, e de como tinham sonhado isso, de como tinham sonhado aquilo, e de como, certas vezes, “aquele” sonho tinha mudado a perspectiva de vida deles, ou a própria vida em si; talvez por terem trago, como um próprio telegrama de deus, uma ideia mirabolante e propensa à fortuna. Mas não ele, nunca ele, ele nunca sonhava.
                Com o tempo, passou a amaldiçoar e culpar quem quer que fosse o culpado pelo defeito que ele carregava. Ora, onde já se viu não poder sonhar... Seria falta de imaginação? De concentração? De neurônios? Seria castigo, macumba? Mais tarde leu em algum canto que, na verdade, toda noite todos sonhavam, mas o que dizíamos “sonhar” na verdade era lembrar do sonho logo após ter acordado, algo que ocorria sem a mesma frequência. Ele custava a crer, justo ele que tinha uma memória cientificamente atestada como excepcional, que não conseguiria se lembrar de algo tão havidamente buscado. De modo que ainda não estava convencido, não sonhava, não havia cabimento.
                Cada vez mais, odiava aquelas conversas sobre sonhos, sobre aquelas pessoas que sonhavam e sobre os sonhos que tinham, principalmente os mais místicos, fantásticos. Aos ouvidos do garoto, as vozes pareciam imersas em um tom jactancioso, um tom de mesquinhez, passou a ter repulsa de tais assuntos, passou a se distanciar de todos os círculos de amizade e de convívio. Estava crente da existência de um complô, pois bastava que chegasse a alguma roda para que o tal assunto voltasse à pauta.
                Com o tempo, tomado pela cólera, movido pela vil inveja, decidiu que o caminho para calar aquelas vozes convencidas era ter algo melhor para mostrar a eles, mas o que era melhor que aqueles sonhos? Ele não conseguia pensar em nada. O que é melhor que um bom sonho? “um sonho melhor ainda” esta foi a resposta que melhor atendia a demanda. Não era a perfeita, mas haveria de servir a quem já não aguentava aquela agonia diária.
                Então, no dia seguinte, chegou ao grupo habitual de convívio, e, ao subconscientemente intimar o assunto à roda, falou de um sonho em que era milionário, em que tinha dinheiro, casa, roupas e acessórios do mais alto requinte, da mais alta pompa. E todos lhe olharam subservientes e temerosos. Ele que tinha sonhos tão bons e belos, era muito melhor do que qualquer dragão invisível ou dirigível de chumbo que não caia. Ele sonhava com o que todos queria em vida, ele vivia de noite o que todos queriam viver, a vida dos que tem poder.
                E assim ele vendia seus sonhos, deleitando-se com os olhares ávidos por mais e mais daquelas histórias. E então entendeu que, no fundo, ninguém queria o que sonhava, pois o mundo posto a nosso volta embutia nas pessoas sonhos com um sentido muito maior de urgência e de prazer.
                O que só ele entendeu, talvez por ser ele o autor daqueles sonhos. É que o mundo os fez ávidos por sonhos tão impossíveis hoje quanto os próprios dragões invisíveis e os dirigíveis de chumbo, mas todos achavam que um dia, aqueles sonhos daquele garoto, que nos outros eram vontades, se tornariam realidade.

5 comentários:

  1. Nossa sou igual esse garoto,vou fazer como ele inventar meus próprios sonhos.Só assim algo da certo em minha vida... espero que dê**
    Ótimo texto.

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    1. XD, vai lá. mas é um caminho que cobra seu preço...fikdik

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  2. thank you.Espero que não seja muito caro,rsrss..

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  3. Mania de buscar o que não temos... Sempre prefiro uma noite sem sonhos e há dias que não os tenho ^^,

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  4. Sonhar é bom, não sejamos tão materialistas.

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