Do manifesto sobre o Amigo, ou: A dificuldade de julgar a amizade e a Amizade


                Nebuloso é, por diversas vezes, o nosso julgamento acerca de quem está conosco de fato. E por “estar conosco” entendam "pessoas com quem podemos contar"; é que são demasiados os artifícios que ofuscam nossa óptica e enevoam nosso cerne.
                São questões de toda sorte; quem queremos ser, o que queremos fazer, com quem queremos que os transeuntes vejam que andamos, quem já te provou amizade, quem te deve um favor, a quem você deve um favor; aqueles que têm uma conversa sedosa; aqueles que em nada se importam contigo, exceto quando se estão todos a rir e beber e dizer disparates... sim, convivemos com gente assim todo santo dia, estes e mais uma enciclopédia de possíveis atores.
                Pois falo, ó, caros leitores, na minha certa ignorância: certamente não são os sorrisinhos afáveis e os brindes eventuais que expõem a real natureza das pessoas, tão pouco conseguem, estes brindes e sorrisos, aferir e mostrar-te quem é ou não seu amigo verídico; enquanto sorrimos, somos todos bastante condescendentes, fazemos todos um sem fim de promessas amigas e cordialidades quixotescas.
                Abrem-se mesmo os envelopes da verdade é na dificuldade, no contratempo, na adversidade, na pedra no calçado, no pé na bosta do cachorro; no momento em que segurar uma mão pode ter seu custo, no instante em que seria muito mais cômodo e menos problemático dizer “sim”, mas que o sofrido, porém correto, é dizer “não”, ou o contrário, se apetecer-lhe; os amigos dizem não quando a ocasião exige, os amigos não concordam a torto e a direito; amigos se importam. Quem concorda com tudo apenas para seguir a prosa não é seu amigo, é aquele que você verá zarpar na primeira dissonância; salvo está se você for um afortunado que nunca tenha de recorrer a ninguém, por conjunturas de nenhuma espécie.
                E nesse equívoco de julgamento você pode acabar por perder amigos verdadeiros, trocando o gato pela lebre; pois é nessa situação que você acaba por se distanciar ou negligenciar alguns em detrimento a outros, por razões diversas que sejam, por exemplo: Aquele seu “amigo” com quem você experimentou um baseado; aquele outro que te chama todo fim de semana para tomar uma cerveja na casa dele; aquele outro que te apresentou duas gostosas outro dia, mesmo sabendo que você era comprometido... claro intento deixar que Amigos, estes com maiúscula ao início, podem muito bem fazer uma ou duas coisas supracitadas; mas um amigo de verdade não prejudica-te, não te faz deliberadamente cair em contradição, não te põe a deitar em maus lençóis; um amigo de verdade se diverte contigo, mas não lhe traz revés proposital, pois o amigo de verdade quer o seu bem, e não simplesmente ver o circo pegar fogo com toda a plateia e elenco dentro; fato esse já conhecido desde que seu tataravô propôs à sua tataravó o conúbio.
                O que quero com este texto, que avalio como abstrato em medida quase demasiada, é que o leitor atente-se para o fato de que amigos, tal qual os artefatos de marca, podem ser falsos ou verdadeiros; e no segundo caso eu até admito que existam falsificações que valem no que se refere ao custo-benefício, mas não posso dizer o mesmo do primeiro apontamento; amigos têm de ser Amigos.
                Não troque aquele que de fato cobrirá suas costas na desventura por um tipo que nunca nem lhe deu um ombro amigo, mas que te oferece, talvez, algo frivolamente mais interessante, superfluamente mais atrativo, mas que substancialmente não trar-lhe-á senão o empobrecimento. Não coloque em segundo plano aquele que te ajudará e apoiará a chegar ao pico da colina pelo teu próprio galgar por aquele que te ofereça uma escada rolante prometendo que está lho levará ao topo– e sabe-se lá se é para o topo mesmo que ela leva.
                E por fim; não deixe aqueles que de fato se importam contigo, aqueles que até lhe amem, por aqueles que não o fazem; independente dos pesos imediatos; pois quando se trata de Amizade, de sentimento verídico, você não deve pesar os pontos do hoje ou do amanhã, tem de pensar a sua vida inteira.

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