Na avenida movimentada,
as luzes duplicadas das máquinas correm em suas velocidades assustadoras. Para
alguns, na direção de casa; na direção do tédio e da morte lenta para outros. O
asfalto quente empurra as rodas emborrachadas através daquilo que os físicos
chamam pares de ação e reação: os pneumáticos pressionam o betume para trás, e
estes, por sua vez, mandam-nos seguir seus destinos escatológicos de todos os
dias: sempre em frente.
Um
homem observa pela janela mal situada do seu pequeno apartamento no vigésimo
andar de um prédio feio. Essa hora do dia é a pior, pensa, com a testa apertada
contra a grade de ferro da janela que impede o voo, todo mundo tem pressa e a
noite é tão inevitável. É a hora de pico dos veículos, ao pôr do sol as pessoas
deixam seus trabalhos irrelevantes e vão ao reencontro de seus menos relevantes
cônjuges. Ele pensa que se casar é render-se aos animalescos contratos sociais
e ter filhos é perpetuar a desgraça. Mas é evidente que só diriam que ele é o
desgraçado de pessimismo animalesco.
Um
caminhão, um ônibus e mais dois e três de um e outro. Há peso excessivo sobre o
mundo. Mas isso é burrice. O homem só transforma o que tira da terra em outras
coisas e o mesmo acontece em nível atômico na natureza. Um homem como este que
se inclina contra a grade da janela não é capaz de começar a compreender e
considerar as trocas de massa entre o nosso planeta e o resto do todo, ou seja,
o universo. Por isso, considera que ele não pode ser responsabilizado de forma
alguma pelo peso do mundo. Mas, como a desgraça está no seu sangue, sabe muito
bem que, mesmo não produzindo do nada, o homem transforma o que é diverso no
que é o mesmo. Que graça existe na uniformidade? Como nesses apartamentos pequenos
e iguais a instâncias moleculares: não há graça.
O
transporte coletivo sobrecarregado força as pessoas a se tocarem e nenhuma
delas parece muito contente com isso. Tocar não faz parte do contrato.
Olham-se, falam-se, ignoram-se, sentem-se, mas o toque dá medo. É tão cru e
primitivo, o homem já evoluiu deveras intelectualmente para se entregar a tal
profano ato de selvageria. O rapaz da janela pousa a mão sobre a própria
bochecha, onde uma barba amanhecida projeta-se. Tocar-se a si mesmo, além de redundante,
também é profano. E pior: religiosamente condenável. Um homem não é forte o
bastante para reinar sobre todos os outros homens; por isso botaram um rei no
céu, para que ele nos reprima a todos e nos permita escapar das barbáries que
naturalmente nos acompanham. Explico – o rei no céu se aborrece se o sujeito
descontenta-se com o que lhe é dado; portanto, sorria e não se toque.
O homem
não pode colocar a cabeça para fora da janela porque há uma grade entre ele e o
salto. Ele amaldiçoa os infernos e tudo o mais por isso. Mas finge ingenuidade
ao forçar-se a ignorar o real culpado. Quem, em verdade, colocou a grade na
janela?
Muito interessante sua metáfora, muito boa mesmo. Percebi um bocado de ironia por sua parte. Tenho uma visão diferente do Divino, não O percebo como um reprimidor que está prestes a me condenar por qualquer falha. O vejo como um amigo que está a me amparar e me ajudando em minhas dificuldades, que me indica o caminho certo. Comecei a desenvolver esse conceito depois que me desliguei de religiões, por mais que não as odeie, prefiro ter minha liberdade. Eu discordo do modo como a religião prega Deus às pessoas, faz com que estas tenham realmente medo Desde, e tudo o que fazem é pelo medo do inferno, acredito que todos devem agir para melhorar o que deve ser melhorado, pois como diz Descartes: "nada é tão bom que não possa ser melhorado". Assim fico na minha luta vital no qual estou submetido, sob minha ínfima condição humana e limitada. Confesso que tenho minhas dúvidas, tento saná-las, mas isso não me impede de crer nAquele que tantas vezes provou Sua existência.
ResponderExcluirTantas vezes provou sua existência? Queria, de verdade, que ele provasse algo pra mim. Maas isso é irrelevante.
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