A impiedosa estrada que é o tempo, que se esfarela
logo atrás da sola do pé, inviabilizando uma possível volta. É o tic-tac
impávido que não para nem volta, não desacelera, não tem piedade. Por definição
científica, o segundo dura 9'192'631'770 períodos da radiação do átomo de
césio 133; para nós, homens ordinários que mal sabemos definir um período, os
segundos são as pequenas parcelas de um pagamento em que a moeda é nossa vida.
Há muitos que se assombram mais com a velhice decrépita
do que com a morte, há muitos que se assombram com qualquer hipótese de
velhice.
A gradual perda das funções motoras, o desbotar dos cabelos,
a sua eventual queda, a perda do apetite sexual, o desfazer da beleza, a
fragilidade da saúde, a menor agilidade para raciocínios…
A velhice trás consigo o acalento das memórias e o
contentamento em ser feliz com elas. A ideia gradual de estar em um mundo que,
por mais adaptado que você esteja, não é mais o seu. Um mundo que seguiu
adiante com pessoas, concepções, tecnologias e ideias novas; muito
provavelmente bastante diferente das suas.
O olhar cúmplice destinado à companheira, que você
ainda ama, mas de forma bem diferente, talvez mais nobre, mas menos acalorada. Veem-se
como companheiros que viveram provavelmente as melhores experiências, mas que
agora tinham de se contentar com isso. Contempla-se um porta-retratos mais antigo
e percebe-se que aquele garoto vigoroso e que transparecia vida agora já estava
surrado pelo tempo, e aquela garota de corpo escultural e sorriso radiante
estava mais recatada e serena.
Os jantares aos domingos; a rotina médica; os óculos
de grau cada vez mais severos; as mãos cada vez mais trêmulas; as rodas de
carteado... O sorriso cansado.
O que a velhice tem de trágica também tem de bela.
Pois aqueles que até ela chegaram, e não é um percurso fácil, podem dizer: “EU
CHEGUEI ATÉ AQUI”. Sim, chegou. Você viu o que muitos não conseguiram,
testemunhou o que muitos da sua juventude talvez julgassem impossível. Você
ainda vive, ainda que sem tamanha intensidade, consegue arrancar alegria das
coisas mais simples, que agora você percebe serem tão significativas, e não é
disso que se trata a vida?
Você contempla os seus erros passados e ri de alguns,
se envergonha profundamente de outros, esconde alguns tantos... Afinal, apesar
da cabeleira branca que confere um respeito quase beato à sua pessoa, você é
humano, e sendo humano já foi jovem, e se já foi jovem já fez merda.
E no final, quando a senilidade se mostra bastante
agravada, e você só é uma sombra, um esboço de outrora, é que entende que a
vida tem de ser assim e não haveria de ser de outra maneira, e entende também o
quão pífios e insensatos são todos esses dramas acerca da velhice e da morte, que
não são nada mais, que mais uma parte da tão valorizada vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário