Primeiro pedaço do finale da estória de Grégore Trévor.
Para ler os anteriores, clique bem aqui.
A segunda - e última - parte vai ao ar nesse domingo.
******************
O final de Grégore Trévor,
primeira parte
A tarde talvez fosse azul. Estávamos
descendo a toda velocidade uma deserta avenida – curiosamente deserta, já que
se arrastava solene no céu o iminente crepúsculo. Eugênio dirigia com uma
expressão transfigurada no rosto, algo como obsessão, ódio e excitação
digladiando-se para tomar conta da sua expressão facial. Eu me agarrava com
força ao meu livro e à alça de segurança presa logo acima da minha cabeça.
Reservei alguns instantes para registrar a aparência do homem ao meu lado:
camisa branca de algodão desabotoada no topo de modo que grossos pelos negros
eram visíveis no seu peito, calça jeans clara um tanto surrada, sandálias de
couro como as de um espartano e longos cabelos ondulados e oleosos. De alguma
forma a minha primeira impressão de que aquilo não era um homem se esvaía da
minha mente confusa, assim como a rigidez dos meus músculos me deixava
gradualmente.
“Por
que não me diz aonde vamos?” perguntei, apertado contra a porta do passageiro e
encarando o motorista ensandecido.
“Porque
você não entenderia. Garanto que há várias coisas nessa vida que são mais
suportáveis se ignoradas” disse Eugênio em sua voz profunda, mas rouca como a
de alguém que gritou a plenos pulmões instantes atrás, e continuou, “Afinal, o
que diz esse livro?”.
“Ainda
não tive oportunidade de ler” respondi, mas emendei antes que sua insatisfação
pesasse mais ainda o pé sobre o pedal de aceleração, “Por que esses
‘pseudo-escritores’ roubariam um machado? Simplesmente para argumentar o
nome...”
Essa
frase foi interrompida violentamente quando algo – um carro, presumivelmente –
acertou o lado de Eugênio num cruzamento. A soma vetorial da colisão levou-nos
para fora da pista e para o meio de um lote baldio com mato alto. Eugênio
estava inconsciente ao meu lado, mas sem vestígios de sangue. Abri a porta com
um solavanco e saltei para fora. Estava tonto, nauseado; meu corpo tremia
febrilmente em meio a espasmos; vomitei; bílis e água. Meu deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era deus? Antes
que perdesse mais uma vez os meus sentidos e outra vez ainda a ingrata
gravidade jogasse a terra contra o meu corpo inerte, vislumbrei a silhueta de
uma pessoa vindo em minha direção.
Quando
novamente recobrei a consciência, estava sentado/esparramado a uma mesa nos
fundos do que parecia um fast-food. Quatro homens sentavam-se a minha frente,
todos jovens (alguns até sem rastro de barba) e todos sérios como coveiros em
serviço. Ao notarem meu despertar, assentiram entre si e aquele que parecia o
mais inquieto e interessado em falar o fez.
“Olá, Grégore. Tivemos de trazê-lo para um lugar público porque imaginamos que Eugênio possa te localizar a distância e não podíamos arriscar revelar nossas moradas a ele. Também não temos tempo, então vamos logo ao busílis. Este não é o mundo dele, tampouco o seu, por isso estão tão confusos. Nossa teoria é que muitas mentes sintonizadas e com um pensamento definido compartilhado possam criar um elo entre esses mundos”, parou por um instante, os outros três balançavam vigorosamente a cabeça em concordância, e finalmente concluiu, “Cada um de nós é um universo”.
“Olá, Grégore. Tivemos de trazê-lo para um lugar público porque imaginamos que Eugênio possa te localizar a distância e não podíamos arriscar revelar nossas moradas a ele. Também não temos tempo, então vamos logo ao busílis. Este não é o mundo dele, tampouco o seu, por isso estão tão confusos. Nossa teoria é que muitas mentes sintonizadas e com um pensamento definido compartilhado possam criar um elo entre esses mundos”, parou por um instante, os outros três balançavam vigorosamente a cabeça em concordância, e finalmente concluiu, “Cada um de nós é um universo”.
Estavam
dizendo que eu era um alienígena ou algo assim? Eu não podia acreditar. Talvez
existissem mesmo essas pessoas que se aproveitam da confusão de uns para
humilhá-los mais ainda. Mundo mundo vasto
mundo. Mas foi então que me veio a compreensão: “Vocês são Machado de
Eugênio!”.
“Somos,
sim” respondeu outro, um cara cabeludo de óculos, “e achamos que você é nossa
responsabilidade e, de alguma maneira, nosso salvador.”
“Se ao
menos pudéssemos te ajudar” disse o alto e introspectivo em tom de lamento.
“...”
foi a maneira como se expressou o quarto, de olhos quase nipônicos e
reflexivos.
Então o
primeiro voltou a falar, movimentando impacientemente os membros, “Nós temos o
machado. Afiado como algo pode algum dia estar afiado; a nível atômico,
quântico; afiado pra porra. Mas é só você quem pode brandi-lo”.
Talvez
tenha sido minha imaginação ouvi-los em uníssono, mas foi essa a maneira que os
ouvi dizer “E você tem que matá-los, matá-los todos”.
Continua.
:o
ResponderExcluirAnsioso pela continuação! ^^