Da falta de alcance da dialética e da retórica sem uso da Idolatria


                Uma definição hipotético-teórica, e que pelas minhas humildes e desvalidas análises se faz ingênua, é a regra metodológica tão famigerada que explica: ganha-se um debate pelo argumento. Fato é que o argumento é um ponto central no debate, escusado dizer; e o leitor mais afoito pela retórica pode logo crer que certamente aponto os outros fatores como sendo: a Eloquência, o uso correto dos jargões em seus momentos oportunos, a capacidade do locutor de saber mediar o discurso de modo a não torná-lo pedante, também a legitimação do locutor por algum título que lhe ateste como sabedor de determinado assunto; posto que este, sejamos francos, pode muitas vezes tornar o debate injusto em alguma medida... e este leitor está corretíssimo, estes também são pontos absolutamente essenciais em um debate, só um louco varrido o negaria. Mas é de um fator mais específico que quero tratar, este que pode, em muitas vezes, concorrer em pé de igualdade com o valor do argumento, ou mesmo com a titularidade, que apesar do contraponto real que apresento, ainda sim tem de ser tratada de maneira legítima e válida. Falo da idolatria.
                Hoje o mundo está abarrotado deles, os ídolos; dos mais diversos tipos; os pretensos intelectuais; os demasiado volúveis; aqueles que poetizam o declínio humano, romanceiam o suicídio; aqueles que são ricos, e a alguns basta isso para serem referência de alguma coisa, mesmo que a riqueza advenha de uma herança familiar de 500 anos; existem até mesmo aqueles que são visivelmente artificiais em suas proposições, mas que são vangloriados de franco e bom grado por seus seguidores, pois a estes basta o espetáculo, não um significado concreto, que deus tenha pena da alma destes; existem também os ídolos que são homerizados por seus visíveis desmazelos quanto à própria integridade, e pela visível teatral ignorância; existem até os ídolos que são ídolos só pelo fato de serem, se é que há alguma lógica nisso.
                Enfim: Pela qualidade dos ídolos de alguém, e por qualidade entendam minha absoluta parcialidade de julgamento, e pela devoção do objeto em questão, o fã, por ele, podemos ter uma ligeira noção dos valores de algumas pessoas; claro está que temos de resguardar a possibilidade, cada vez mais frequente, bem verdade, dos alienados que em nada se espelham nos Ídolos, mas que lhos dizem seguir apenas pelo benefício da não marginalização. E também estes que literalmente sofrem para se espelhar em alguém com quem em nada se identifiquem, mas que veem nisso um único meio para determinado fim, os não alocados de postura subserviente.
                E me causa suor nas têmporas a seriedade com a qual alguns tendem a levar estas pessoas. Vejam, muitas vezes eles não sabem nada da maioria dos assuntos pelos quais são abordados, principalmente no caso, por exemplo, dos “rockstars”, dos “formadores de opinião” e dos insuportáveis “socialights”, que por algum motivo são dotados de uma áurea de suposta propriedade sapiente... Não sabem nada de nada nem mesmo de maneira propedêutica em grandes casos, mas suas meia-dúzias de palavras vomitadas tendem a ter mais valor ao público ordinário do que a mais bem escrita argumentação epistêmica. Sim, as pessoas acham que o discursinho inflamado pseudo-revolucionário do formador de opinião no Youtube tem mais valia que um saber de fato averiguado, valorado por empiria e arcabouços teóricos.

                Na minha franca opinião isso tudo se dá mesmo é porque ninguém quer mais pensar em nada, então convenciona-se que o discurso estapafúrdio com o maior número de palavrões e que tenha mais críticas a fazer à sociedade de maneira normativa, mesmo que contenha erros metodológicos dos mais diversos e escabrosos, este é o discurso intelectual, este é que te de ser aceito. Agora, entretenimentizaram – abençoado neologismo - até mesmo o saber franco e honesto; se o seu professor não for capaz de organizar um stand-up de primeira categoria, o otário que contradizê-lo com um videozinho de dois minutos sobre o materialismo histórico-dialético de Marx vai ter mais razão, mesmo que dos dois minutos ele passe metade fazendo uma saudação cheia de bordões e firulas, e mais trinta segundos com alguma justificativa de “porque o vídeo atrasou”.
                E é ainda pior quando falamos das lendas da música, alguns rockstars que não terminaram o segundo grau e nunca leram mais que uma revista de cifras, têm legitimidade para falar que o mundo é uma bosta, que o capitalismo é a causa do martírio humano e que paz e amor vão salvar o mundo. Estes mesmos que nada mais fizeram do que alimentar a indústria fonográfica e deixar uma meia-dúzia de empresários mais ricos do que nunca; além, é claro, da natural contradição de se falar de injustiça, de desigualdade, de mazelas sociais, e morar em mansões, trocar de carros como que muda de cuecas, fazer escândalos para receber as quinhentas toalhas umedecidas que não estavam no camarim, e de tratarem fãs do sexo feminino de aparência apetitosa como verdadeiros objetos descartáveis... Notem que não estou, em momento algum, desmerecendo a qualidade musical de ninguém; estou apenas questionando a legitimidade deles, tanto de um ponto de vista epistemológico quanto moral, para falar de determinados assuntos.
                Ninguém quer saber do saber, a verdade é essa... O que se quer é o instantâneo, é o prático, fácil e de rápida assimilação, o condensado... e isso o Saber ainda não é.
                De tudo que já foi supracitado, ainda me falta tratar da idolatria aos ricos, esta que legitima tantos paradoxos morais. As pessoas embevecidas de maneira obsessiva pelo dinheiro, se dobram como folhas de papel a qualquer margem tênue de contradição que lhes ponham vis-à-vis seus valores, são os mais líquidos, como diria Bauman. São estas pessoas que veem como prioridade e ápice da vida o momento de luxo fútil, estas que de franco e bom grado venderiam a dignidade de um trabalho honesto pela franca riqueza ilícita atenuada. E destas já não me dá vontade de falar mais nada.

8 comentários:

  1. Não vale decorar o dicionário de palavras que ninguém usa, deixou seu texto muito bonito, além de interessante.
    Nunca havia parado para pensar no assunto, mas eu não me enquadro no perfil de fã que engole tudo que a pessoa admirada diz, muito pelo contrário.
    Você disse com tanta eloquência de ídolos pouco favorecidos intelectualmente que pareceu estar discorrendo a respeito de um ou uns em especial. Foi impressão ou realmente estava fazendo isso?

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    1. rsrsrr... admito que o vocabulário é rebuscado, mas não fico buscando sinônimos eruditos no dicionário não...XD, fui lhos aprendendo ao longo dos tempo de leitura... Agradeço o comentário... fico feliz quando gostam dos meus textos, principalmente esse, que ficou maior do que usualmente são os meus textos.
      Sobre os ídolos, tanto os "rockstars" quanto as outras classes que citei... sim, falo de alguns, não de todos... pela seguinte razão, alguns têm o cuidado de expor as opiniões e notas sobre qualquer assunto de modo a deixar bastante claro o caráter opinativo do que falam, pois, mais ou menos embasados, os monólogos do dia-a-dia nada mais são que isso, opiniões... e estes alguns que cito também têm a destreza de tentar perceber e direcionar a consequência de seus discursos, intencionando fugir um pouco do caráter midiático que a tudo engole nestes nossos dias... agora existem aqueles que sabem muito bem o impacto que seus discursos podem ter nas pessoas, mas não têm o menor pudor ou cuidado com relação a isso, o que para mim parece uma atitude demasiado acomodada e que pode ser, em determinados pontos, perversa; até coloquei no texto, muitas vezes eles se valem deste sensacionalismo e deste exibicionismo esdrúxulo apenas pela repercussão do ato, pelos próprios interesses de se manterem vivos nos holofotes, não pela sua eventual consequência...

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  2. "a capacidade do locutor de saber mediar o discurso de modo a não torná-lo pedante"



    Faça o que eu falo, não o que eu faço?

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    1. rsrsrss; pode ser, é que quando eu pensei nesta frase, lembrei de um discurso político... alguns destes políticos populistas são muito bem estudados e polidos, mas adequam o discurso a um nicho que lhos faz, por diversas vezes, abandonar deliberadamente um vocabulário natural, adotando palavras de maior marcação, coloquialismos e demais artifícios. Ser pedante ou não independe do escritor, mas sim da platéia a quem ele se dirige... alguns se dobram pala agradá-la, e confesso que o faço em certa medida, mas não no âmbito da linguagem... já até escrevi um texto sobre isso, escrevo da maneira que escrevo por que se escrevesse do outra maneira dificilmente conseguiria tratar dos assuntos que trato de modo a dar a eles a inclinação que desejo; daí alguns gostam, outros não... XD

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    2. Estava até cá estes dias a conversar com a Lília, também redatora do blog e minha namorada, sobre isso... a crescente simplificação do vocabulário, que até entendo em certa medida, mas que em grande parte dos casos sou contrário, em primeiro lugar pela tendência à abstração de sentido que este tipo de atitude tende a causar, perde-se o significado concreto das palavras, pois lhas suprimimos, adaptamos seus significados originais a outras palavras, que antes significavam algo e agora já não mais são só aquilo que eram antes; passam a ser, além de plurais, dúbias. E nem é porque eu seja um destes que não esteja a par dos subentendidos, apenas creio que existem palavras que transmitem melhor uma ideia, mesmo que tenham sinônimos mais usuais... e também de um ponto de vista estético, pois a linguagem é também estética... se sistematizamos a fala, se lhe comprimimos os sinônimos e alocamos significados, deixamos de ter às mãos uma ferramenta muito capaz no que tange à emoção, ao deleite, ao prazer. Passaremos a ter literatura escrita como manuais de instrução.

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    3. Por mais homólogas e sinônimas que as palavras sejam, elas nunca dizem as mesmas coisas, por mais que se queira!

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  3. By the way,
    ótimo texto!

    Talvez num futuro você poderia explorar mais as ramificações do primeiro parágrafo...

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