Sinos dominicais de todos os dias


Domingo; tarde morna; vento frio; músculos exaustos e, ao mesmo tempo, quase atrofiados; vontade de não ser nada e de ser tudo; angústia e olhar perdido. Aonde foi o sol que, apesar de continuar ali, não me traz nada senão a luz? Onde foi que perdi a alegria da descoberta e o calor do reencontro? Tudo continua tão igual e tudo passa por mim sem dizer nada...
É aí que começa a música, a mesma de sempre, aquela que é a trilha sonora dos momentos sufocantes, dos desesperos sem nome, das xícaras de café vazias e profundas, de andar descalço no chão gelado e de meter a cabeça sob o travesseiro. Ela não tem refrão, não tem ponte e não tem desfecho, mas fica tocando repetidamente na minha cabeça. Quero que ela pare e tenho medo de que ela não volte mais.
Deve ser aquela sensação de não poder ter e não ser capaz de tocar o que rege a música e o que martela as teclas daquele gigantesco piano de cauda de seda e de flores murchas estampadas. Deve ser a tal angústia a culpada por dar socos ensandecidos no gongo e o frio o responsável por esfregar o arco nas cordas macias e no meu pescoço rijo. Devo ser eu o único espectador dessa medíocre orquestra de horrores. Deve ser, mas não devia.
Mas eu sei o que é a causa e o que é o efeito. Sei das regras da causalidade e das leis da impotência. Não é a rotina, nem é o tédio, não são as noites monótonas, os sonos perdidos e a indisposição, não é a depressão ou nenhuma dessas doenças pós-modernas. Eu sei bem o que é, mas tenho medo de dizer em voz alta. Tenho medo de que os meus próprios ouvidos ouçam o que a minha boca diz e aquela ignorância de mentira acabe e chegue a hora de encarar a podridão do meu reflexo no espelho. Lá, além de óculos embaçados e pele pálida, vou encontrar o remorso de estar triste sem nem mesmo compartilhar das menores desgraças que acometem a todos por aí.
Talvez eu saiba o nome da música; eu sempre soube, é verdade, mas demorei a conseguir colocá-lo em palavras. É incerteza. Tive que escrever sobre a Era das incertezas outro dia e tive muita dificuldade. Dessas incertezas que os espertos e os intelectualizados dissecam eu não compartilho. Minhas incertezas não interessam a ninguém, nem mesmo a mim, não me interessam, mas me afogam. É incerteza que eu talvez confunda com solidão, ou o contrário.
É que a vida parece não ter mais toda aquela admirável vitalidade que costumava ter. Nem os motivos têm a força de continuar existindo. Dia após dia, os pés vão se arremessando para frente: primeiro o direito e depois o esquerdo. E nem noto mais os estalos que o meu joelho esquerdo começou a fazer de uns tempos pra cá. Não há surpresa, não há sangue subindo de súbito à cabeça e não há choro por decepções. Não, há sim o choro e há a decepção, e ela vem da vida, de tudo que eu esperava dela e que ela não quis me dar ou que eu não fui forte o suficiente para esticar as mãos e pegá-lo.
Frustração é aquilo que, no fim dos dias, nos decompõe no leito de morte e põe um terço nas nossas mãos e algo sobrenatural nas nossas cabeças. Mas acho que nem isso vai me afetar, já que deixei pra trás as grandes aspirações. No lugar delas ficou um grande, inominável e imensurável vazio. E aquela antiga música ecoa e reverbera dentro desse abissal negrume dentro de mim. Vazio, desértico, oco, acabado, exaurido, abandonado, frio, bem frio...

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