Quando chegaram as sete na catedral, havia uma estrela sozinha e
límpida no céu cor de rosa, um navio lançou um adeus desconsolado, e senti na
garganta o nó de todos os amores que poderiam ter sido e não foram. Não suportei
mais.
Gabriel García Márquez em
“Memorias de mis putas tristes”.
O que é a vida, senão um conjunto
de todas as coisas que você deixou passar para poder agarrar umas outras
poucas, que poderiam muito bem ser expressas numa proporção de dez para um? Ela
é apenas isso: o resultado daquilo que você não fez. E, no caso dos que muito
fizeram e se eternizaram, pode-se muito bem dizer que isso se deve única e
exclusivamente à frustração daqueles que nada fizeram.
Mas, já que essa é a única vida
que tenho, não vou passá-la toda resmungando por isso e aquilo e protelando uma
grande guinada para a minha próxima década. Porque nós nunca imaginamos que
morreremos uma morte violenta, abrupta e que chega logo nos primeiros anos; se
pensamos em morrer, a única imagem formada é a de um velhinho sorridente,
sentado numa espreguiçadeira, sem óculos, dentaduras, bengalas ou perucas, que
é tocado pelo ceifador enquanto dorme a sesta sob uma brisa fresca. É assim que
quero morrer, também, em paz com os meus cancros e outras partes moles.
E morrer não é de todo ruim.
Existe um grande mistério ao redor de últimos suspiros e é até uma forma de ser
lembrado depois de anos envoltos pelas teias das aranhas do esquecimento.
Porque todos os seus amigos se vão, uma hora ou outra, todo o seu mundo vai
ruindo e dando lugar a outro novo. E não dá para simplesmente permanecer num
lugar sem ao menos pertencer a ele. Todos temos que, invariavelmente, dar lugar
a alguém que fará bom uso do carbono que confinamos por uma vida inteira dentro
dos nossos sacos de carne em eterna decomposição.
O fantástico Gabito, que citei lá
em cima, disse algo (o que eu realmente tinha intenção de citar, mas, por
forças maiores, foi antecipado pelo personagem de noventa anos e cercado de
putas) que considero da maior valia: “Sorria a todo o momento, mesmo nas horas
mais difíceis, porque nunca se sabe quando é que alguém vai se enamorar pelo
seu sorriso”.
Eu jamais saberei dar
apoio a alguém com palavras tão bem quanto o colombiano. Mas não custa nada
usar dele como intermediário. Sorrir é algo de extrema urgência. Não só
arreganhar os lábios e mostrar os dentes amarelados, mas sim esforçar-se para
ver a graça da vida, aquela que passa no vento roçando a sua pele e o seu
cabelo todos os dias da sua vida e é sempre tão despercebida...
Que alguém faça por você o favor
de sorrir genuinamente essa semana.
e nao adianta, seus textos sao otimos!
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