Das várias vezes que tudo se
esvaiu na minha frente, e por tudo digo as disposições e os contentamentos, não
sei nem a mais ínfima parte dos motivos. Assim sempre foi e que me refresque a
memória aquele que mais dentro da minha cabeça esteve nessas ocasiões de
marasmo que cria pernas para vir e braços para me abraçar.
No último destes, tive vontade de
ser nada; ou só de deixar de ser o que sou, o que se tornaria, paradoxalmente,
a antítese da primeira possibilidade, visto que nada sou, e não se pode passar
a ser nada se nada já é em primeiro lugar. Mas crises existenciais são coisas
das quais deveriam apenas se ocupar as mentes muito mais vividas do que a
minha, aquelas que realmente jogaram os dados para se desiludirem com os resultados,
não as pequeninas e medíocres e ensimesmadas.
Queria que você pudesse me
entender do jeito que eu me julgo capaz de entender os livros que leio. Que
pudesse identificar cada sutil sinal, prever o desfecho, ou até não, se a
história se mostrar complexa demais, e me ajudar a levar à outra margem o fardo
pesado onde meto as minhas vergonhas.
Embora seja triste admitir o
óbvio, ninguém pode viver a esperar. De esperar me fiz amargo, de amargo me fiz
calado, e calado fico a pensar em ser nada e no paradoxo shakesperiano de ser e
não ser. Porque, se a verdade devesse ser posta à mesa, eu comeria a minha
língua para não morrer de fome. Que a língua me desça pois pela garganta
apertada.
Mas escusado seja o meu milésimo
discurso de mau agouro; eu espero, assim como sei que você também espera, que o
próximo dos discursos já venha a ser uma carta de suicídio, o que poupar-nos-ia
do tédio e da chateação.
Consegue apreender a patética
grandiosidade da minha problemática causa mortis diária? Se sim, um psicanalista
de garagem desses tantos que há por aí deviam enciumar-se da sua capacidade
freudiana de interpretação (de coisas fúteis, diga-se de passagem).
Os que se mantiveram atentos
durante todos os meus já referidos discursos, saberão, ainda que nem concordem,
mas saberão que Saudade é o nome que a morte chama desesperadamente quando a
chuva cai. Aqui não é a morte propriamente dita, aquela que se escreve com
maiúscula, mas a morte de um hábito: já comemorei um ano, se me lembro bem, do
aniversário de óbito desse pedaço de costume meu. Mas a chuva cai, alguém grita
desesperadamente aqui dentro e a chuva cai. Não?
Da difícil arte de escrever para
alguém, não sei nem a mais desprezível parcela das técnicas. Refresque a minha
memória e escreva-me.
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