Às oito da manhã, acordo tão
disposto quanto aqueles bichos peludos e acinzentados que levam o nome daquela
coisa que dizem matar (bicho-preguiça, para os desavisados). Olhando no
espelho, vejo que meu cabelo parece um turbante, de grande e antiquado: hora de
ir à barbearia.
Antes de sair, observo que tenho,
mais ou menos, vinte cartões de uma promoção que garante um corte gratuito a
cada quatro pagos. Mas nunca tenho coragem para fazer uso dos meus cinco bônus.
O barbeiro é um sujeito tão simpático que me parece absurda a ideia de ocupá-lo
por meia hora sem ganho algum. Não consigo gastar estes meu bônus (assim como
vários outros, nos mais conotativos significados) e acho que nunca serei capaz.
Às três da tarde, me ponho à
mesa, com um caderninho velho estirado a poucos centímetros da minha cara. E me
lembro de um pensamento de um autor consagrado – que, na hora, pensei ser
Machado, mas era Sabino – sobre a inspiração. Diz que ela é como quando se quer
saber as horas: nesse instante, não se deve desmontar o relógio para entender
como funciona, éramos eu e o papel. E eu deitei a mão no seu lombo.
Às quatro, o ilustre senhor
fundador da Academia Brasileira de Letras ainda não queria se retirar da minha
vespertina cabeça. Foi então que me lembrei de Simão Bacamarte e me compadeci
uma vez mais com sua situação no introdutório capítulo do livro onde é
protagonista, O alienista. Não era de se admirar o seu desarranjo mental.
Casou-se apenas porque a mulher, apesar de “não bonita e nem simpática”,
“reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com
facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso e excelente vista”. Mas não
pôde gerar os filhos do doutor. (Apesar, não) além de não bonita e nem simpática...
Ás quatro e meia, cinco páginas
estavam escritas no tal caderninho. Mas elas eram tão minhas que nem vale a
pena citá-las.
Às cinco horas da tarde, a cidade
já parece começar a escurecer. Talvez todo o mundo escureça às cinco, mas eu
não consigo olhar para os dois lados do planeta ovalado e azul celeste (na mais
literal celestialidade) ao mesmo
tempo, não importa o quanto eu tente. E é bom pensar que todos dormimos ao
mesmo tempo, porque não ia ser legal se os chineses ficassem sabendo das
notícias internacionais antes de nós.
Às seis e meia, um homem termina
seu trabalho na construção. Como várias vezes antes, amaldiçoa baixinho por
voltar para casa tão tarde. Embora estarrecido, sabe, bem lá no fundo, que não
devia tratar o horário do almoço como um feriado estendido. Os chineses não
demoram mais do que cinco minutos para almoçar (e ainda precisam lutar para
manusear os antipáticos chopsticks). Somando-se isso à sua possível antecipação
na hora de ler as notícias no jornal matinal, que chance temos numa entrevista
de emprego?
À meia noite, posto no blog. E,
para finalmente esquecer de Machados (tanto Assis quanto Eugênio), ouço música ocidental
de boa qualidade.
À meia-noite e dezoito, preparo-me para deitar e dormir, quem sabe sonhar, mas não, não antes de ler o texto de hoje, pois não era um meu, muito embora eu leia meus próprios textos, talvez em busca de uma resposta que eu tenha escrito inconscientemente e que me serve convenientemente agora. E agora posso dormir sossegado, pois lí um texto bom pra caráleo.
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