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Pisando em ovos, alguns se racham.
Sinal vermelho, o carro para. O motorista aumenta ligeiramente
o volume do rádio, toca um instrumental que ele nunca vai saber que se chama “Marco
da Era”, uma música que sem dizer uma única palavra transmitia muito, era do
Tom Zé; provavelmente o Estagiário responsável, intencionalmente ou não, seria
demitido, onde já se viu tamanho absurdo, nos dias de hoje tocar Tom Zé no
rádio. O motorista se irrita com aquela música, “quem foi o estúpido que
inventou isso?” pensa ele. Troca de estação, notícias, bem melhor assim, ficar
informado sobre os acontecimentos locais e globais era algo muito mais
proveitoso. Apesar das notícias estarem a ser discursadas, a atenção dele não
está nas ondas sonoras que ecoam, mas em ondas de outra magnitude, está atento
a pensamentos. Pensa sobre a tirania, a tirania que sofria, exercida por sua
própria carteira, a ganância, a avareza, a mesquinhez, tudo isso parecia tão
natural, mas quando se refletia apenas um pouco sobre isso, e nesse caso um
sinal vermelho bastou para desencadear o raciocínio, percebe-se como tudo se
tornou tão vazio, como o supérfluo tornou-se indispensável, como o trabalho
deixou de ser uma satisfação para se configurar em uma forma de tortura de modo
que, ao final dela, você fosse “recompensado” para assim poder viver o prazer,
que hoje se resumia em gasto. “a vida”, pensa ele, “uma sucessão de absurdos,
de sacrilégios, dos quais nenhum de nós consegue se desvencilhar, a não ser
pela morte”. O sinal abre. Curiosamente a morte, se tal entidade existe de
fato, e se faz como um ser que raciocina, parecia ter ouvido tal misto de desabafo e
clemência, uma vez que, no meio da rua, tendo esperado o sinal verde como todo
bom condutor, o carro deste motorista que não sabemos o nome foi atingido por
um outro que vinha na rua perpendicular à sua. A última coisa que pensou foi: “a
vida é tão miserável que me livrou de seu peso desta maneira tão suja e feia”.
O carro que ceifou a vida deste indivíduo era o carro onde se encontravam:
Camaleão, R., Albinati, Linda e Fronrel.
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Monquei vê seus amigos sendo levados. “o que fazer”?
Contra todas as linhas de raciocínio possíveis, Monquei opta pela de resultado eficiente
mais improvável. Dispara contra seus auxiliares, mata os censores que com ele
estavam sem nenhum momento de piedade ou hesitação. Seus companheiros, nossos
heróis, examinam-lhe com um ar de interrogação; dada a pausa dramática, Monquei
dispara contra o próprio braço. Todos olham-no assustados.
_ Se eles ficassem vivos causariam problemas. – diz ele.
_ E porque você se deu um tiro? – indaga R., com voz
trêmula.
_ É a única forma de parecer que vocês os mataram. –
responde Monquei.
_ E agora você vai nos libertar? – questiona Fronrel.
_ Se for o que desejam. – argumenta Monquei.
_ Como assim? – replica Fronrel.
_ Vocês não estão cansados? Cansados dessa vida?
Cansados de acordarem com medo de sirenes, cansados de dormirem mal, de viverem
como ciganos, de comerem mal, de serem taxados pelos adjetivos mais baixos que
a língua portuguesa comporta? – treplica Monquei.
_ ... – Estavam todos esperando uma conclusão.
_ Vocês não desejam estabilidade? Vocês não percebem
a nossa fragilidade se comparados a Eles? Vocês não percebem o quanto somos
irrisórios, o quanto somos ridicularizados, o quanto as pessoas não nos levam a
sério? Somos mal vistos por elas... – diz Monquei.
_ NÓS não, - diz Fronrel – inclua-se nessa classe
após explicar essa farda.
E Monquei contou, com mais detalhes em determinados
pontos e menos em outros, o que já foi dito nos primeiros dois textos desta
temporada.
Apesar da indignação, excetuando-se R., pois o amor
releva muito, e Linda, que se mantinha apática em relação a tudo, todos
entenderam que a situação, se fosse tal como foi contada, não conferia outra
alternativa a Monquei.
_ Você disse “se for o que desejam” – diz Camaleão. –
então existe outra possibilidade.
_ Sim. – começa Monquei. – Podem ficar comigo.
Silêncio.
_ Vocês não entendem, o mundo NÃO VAI MUDAR, NÃO HÁ
SAÍDA, NÃO HÁ CHANCES! É isso, eu sei, eu vi como as coisas são por dentro. Só
fomos até onde fomos porque nos deixaram ir, brincaram conosco, se tivéssemos realmente
chance de sermos ouvidos, jamais nos deixariam, a prova disso foi que bastou
terem vontade e fomos desmantelados.
_ E agora você resolveu se confortar com a sua
situação?! – Pergunta Albinati.
Silêncio. Fronrel entra no carro.
_ O que você está fazendo? – Pergunta Monquei.
_ Se você não abdica do seu posto, mesmo estando nós
a salvo, e eu não estando disposto a aceitar a sua oferta, estou me rendendo.
Monquei parecia não crer no que via, primeiro por
perceber que Fronrel não estava mais débil, segundo porque a atitude ali tomada
tendia a provar justamente o contrário. Mas Monquei percebeu a ardilosa jogada,
Fronrel estava forçando Monquei a tomar uma postura.
E Monquei estaria até disposto a entrar no jogo de
Fronrel, estava cogitando a hipótese, muito provavelmente teria aceito a
oferta, não fosse aparecerem dois engravatados vindos de lugar nenhum, pelo
menos nenhum lugar identificável.
_ Sr. Monquei, percebemos que o senhor está em
perigo.
_ É, em perigo. – diz o outro
_ Estamos intervindo nesta captura visando unicamente
o seu bem estar.
_ Bem estar.
Bem estar, Monquei analisa essa palavra e sente
vazio, vazio tanto no significado da palavra nos dias atuais (ou foi sempre
assim?) quanto no seu próprio sentido no que se refere ao próprio “eu”. Tenta
manter o teatro enquanto um a um os seus amigos são presos, nenhum deles
desmente a postura indubitável de Monquei, deixam que a própria consciência dê
o peso que achar justo às atitudes. Ele foi convincente, um prodígio merecedor
do Oscar, até que chegou R., puxaram-na com um pouco mais de brusquidão, talvez
um ato desproposital, mas feriu Monquei, e feriu fortemente.
_ Soltem-na. – Disse ele.
Nenhuma resposta por parte dos engravatados.
_ SOLTEM-NA! AGORA! – irrita-se Monquei.
_ Ela é uma criminosa com uma lista de delitos
cometidos, devemos levá-la a julgamento imediatamente. – diz um Engravatado.
_ Levo-a eu. – diz Monquei.
_ Devo lembrar-lhe, Sr. Monquei, que mesmo com todos
os méritos e ganhos, o senhor ainda é inferior em hierarquia se comparado a
nós.
Monquei tenta sacar a pistola, mas os engravatados são
rápidos.
_ Tentativa de auxílio a fugitivos, isso caracteriza
uma pena gravíssima.
_ É, gravíssima.
_ Ainda mais se cometida dentro do próprio batalhão
de repressão ao crime.
_ SUBVERSÍVO!
_ Levar-te-emos aos competentes em julgar seu delito,
Sr. Monquei.
Um deles balança a cabeça em magnânima atuação de
desconsolo
_ Depois da oportunidade única que lhe foi dada,
depois de tudo que fizemos por ti, assim retribui-nos?
Algemam Monquei e levam-no. O mesmo é feito a todos
os outros, mas eles vão para um local diferente.
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Monquei é empurrado para dentro da sala.
_ Deixem-nos a sós. – diz um homem muito velho e
caquético.
_ EU FIZ TUDO! EU OBEDECI AS ORDENS! EU ME CORROMPI!
E ERA TUDO UMA FRAUDE! – Monquei era a exata medida da cólera.
_ E eles ainda estão vivos, não estão? – diz o velho.
_ VOCÊ É UMA FIGURA DETESTÁVEL! ESTOU ABDICANDO DO
CARGO NESTE MOMENTO! – diz Monquei.
_ Você sabe que não pode fazer isso.
_ EU QUERO SER PRESO! QUERO VOLTAR A SER QUEM ERA!
QUERO VOLTAR A ME SENTIR LIMPO! QUERO VOLTAR A ME SENTIR EU!
_ Mesmo que isso custe a vida de seus amigos? –
pergunta o velho.
_ Se quisessem matá-los já o teriam feito, por algum
motivo vocês precisam de nós vivos. – diz Monquei.
O velho arqueia levemente as sobrancelhas, como se
estivesse ligeiramente surpreso com a dedução. Monquei, que entendeu errado a
gesticulação facial, arranca o brasão lateral da farda e diz:
_ Estou me retirando.
E vira as costas. O que a sobrancelha erguida queria
dizer é que a dedução estava parcialmente errada, e por esse erro de
interpretação Monquei paga com a vida. Leva sem esperar três tiros nas costas.
À queda de Monquei no chão, o velho se dirige
vagarosamente até ele, para e diz:
_ ALGUNS de vocês precisam estar vivos, mas você é um
dos que não faz mais diferença, Sr. Monquei.
E Monquei cerra os olhos pela última vez ao eco
destas tristes palavras, que ecoaram pela eternidade no espírito de Monquei.
:)
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