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Estou
mesmo acordado?
Fronrel está em um campo de concentração. É noite, a
lua ergue-se vermelha, grande e ameaçadora no céu. Fronrel juraria, se
perguntado, que era o próprio olho do demônio que o encarava naquele instante,
que encarava toda a metade do planeta nesse momento.
Fronrel está com a vestimenta de um detento, mas por
algum motivo transita livremente no local.
O local tem tons pastéis, todos eles; nenhuma cor
viva, nada que salte aos olhos, tudo é chapado, tudo é apático, tanto cores
quanto atitudes, ações e padrões miméticos por todas as partes e presentes em
todas as esferas de atuação dentro do campo de concentração. Muros de betão que
se erguem altos e lisos, de todos os lados, adornados por arames farpados enrolados
em seus topos.
E Fronrel vê-se, de forma inexplicável, cercado por
uma redoma de vidro. Um a um seus companheiros vão passando, tanto os que vivem
quanto os que já se foram. E um a um eles vão se posicionando rentes ao muro.
Um a um eles são fuzilados, sem dó, sem últimas palavras, sem últimos desejos.
Ele espanca o vidro a cada tiro disparado, tenta quebrá-lo, inútil, tenta
gritar, inútil, seus pulmões cheios esvaziam-se sem que uma única palavra saia
de sua boca.
Fronrel acorda. Está empapado em suor, só enxerga uma
coisa, a luz vermelha que se dispõe no alto da sala, em uma quina, que indica
que a câmera de vigilância está a funcionar. Não sabe que horas são, nem onde
seus amigos estão; sabe apenas que tem fome, tanto de ração quanto de
respostas.
Em dado momento, que Fronrel não soube definir com
certeza, ele foi separado de seus amigos. Não sabia mais deles e, por algum
motivo, não tinha tanta urgência em sabê-lo. Fronrel estava cansado, cansado
destes desencontros intermitentes, da constante expectativa frustrada, dos
inconstantes planejamentos.
Após certo tempo alguém abre a porta e adentra o
recinto. É interessante como nosso relógio interior tende a se desorientar na ausência
da visão. Fronrel não saberia dizer que havia se passado muito ou pouco tempo.
Fronrel não sabia do que se tratava. Encara o homem
por certo tempo, como a estudá-lo. Por um instante é isso, os dois se
encarando, medindo as forças mutuamente. Fronrel responde:
_ Sim.
_ Ok então.
O homem algema Fronrel e leva-o. Eles passam por uma
saleta que lembra um bastidor de desfiles de moda.
_ Escolha a roupa que lhe agradar. – diz o homem.
_ Obrigado. – responde Fronrel.
Fronrel passa certo tempo analisando as vestimentas,
todas elas de marca e muito bem feitas. Fronrel escolhe uma camisa xadrez nos
tons azul anil e amarelo; uma calça jeans
justa e um par de sapatos; pensa firmemente no que estaria por vir, só duas
hipóteses se faziam prováveis: Uma execução cruel, covarde e sem chance de
disputa pela vida ou um julgamento. De qualquer forma, na duvida, Fronrel
arruma-se como se fosse a última vez para tal rito.
Ao termino da cerimônia, Fronrel é novamente
escoltado pelo sujeito. É posto em frente uma escadaria muito íngreme e
extensa, “Stairway to Heaven” pensa
Fronrel, mas pensa que este paraíso não deve ser o que dizem.
_ A partir daqui você segue sozinho. – diz o homem.
Ele diz serem diretrizes administrativas, mas Fronrel crê que sejam apenas
desculpas para não ter de subir a escadaria.
Fronrel começa a subida, nunca foi um esportista
nato, mas também não era um sedentário que não conseguia subir um lance de
escadas sem terminar o processo ofegante. Ainda sim para duas vezes, tem a sensação
de que a última vez em que dormira bem ainda estava no útero materno. Chega às
grandes portas, são duas, duas portas que se ligam pelo centro. Têm maçanetas
finas e sofisticadas, lustrosas, belas, imponentes, magnânimas, poderosas. Atrás
delas o destino de Fronrel está guardado. Fronrel encara-as por bastante tempo,
quase entra em transe, não fosse o sujeito, sim, aquele que ficara lá embaixo,
ter dito que Fronrel tinha de entrar logo.
“Se for pra ser vai ser, não tem outro jeito” pensa Fronrel.
Fronrel abre a porta.
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A dureza da escrita está na obrigatoriedade da
citação não simultânea dos fatos, mas a isto o narrador acha remédio com a
explicação, o parêntese, o rodapé ou a simples descrição direta; portanto é
mister dizer que no momento em que Monquei morre, R. desperta a chorar em seu
cativeiro, coincidência ou não nunca saberemos. Chora desesperadamente, como se
lhe faltasse ar ou algo como essencial à vida. Se lha perguntassem, jamais
saberia explicar porque chorava, mas chorava. Tinha no peito uma tristeza que
faria entristecer até mesmo um genuíno bobo da corte. Mistérios do coração,
desde o princípio dos tempos se fala deles, não seriamos nós os pretensiosos
que lhos desvendaríamos.
Ao ir aquietando-se, R. percebia que algo verdadeiramente
ruim havia acontecido, e pensa em Monquei, pensa que, se este algo que sentira
remetesse a ele, pode ser que ela não suportasse. Mal dos amores prematuros,
são de intensidade tal que nos levam, se de coração ofendido, a conjurar
maldições e proferir absurdos a toda sorte de gente que nos entra ao caminho.
A sala em que se encontra, tal qual a de Fronrel, é
igualmente escura, mas se tem câmera, não funciona, ou é incógnita, pois não é identificável
por um LED vermelho a se manter constante.
Ninguém vem chamá-la.
Camaleão acorda em uma cela levemente clareada por uma
tênue iluminação vermelha. Ao levantar-se tenta reconstruir as memórias que lhe
trariam o resumo do ocorrido, não consegue. Irrita-se, tinha de ver isso,
Camaleão andava se irritando constantemente.
Ninguém vai chamá-lo.
Albinati acorda em uma sala não muito escura, mas que
mudava periodicamente o foco da luz, criando sombras de certo modo
perturbadoras, o que lhe fazia tentar ficar a maior parte do tempo pensando em
outras coisas que não a situação atual.
Não a buscam.
Linda. Linda nem sequer dormiu, foi entregue à cela
que lhe fora reservada, deitou em posição fetal e desta não saiu. Olhava
ocasionalmente para o cotó que fora sua mão direita. Em dado momento começa a
batê-lo na parede com tanta força que este começa a sangrar. Sem motivo lógico
ou aparente ela para novamente, voltando à estática posição fetal. De repente
começa a puxar os cabelos, arranca tufos e tufos até deixar o couro cabeludo
bastante ferido e, novamente sem um porque, para.
Não a pegam.
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E agora voltamos à cena inicial desta temporada, com
Fronrel ajoelhado no meio da corte, humilhado, sendo ele a prova viva de que a
desobediência às normas vigentes é o pior dos crimes e passível das piores
punições.
_ Comecemos agora o julgamento do réu que se
apresenta diante da corte, Fronrel. – diz o Juiz.
Fronrel ergue a cabeça. O juiz tem uma feição quase
gloriosa, jurariam que era ele um representante de, senão o próprio, deus. Um
carrasco checa o fio da lâmina da guilhotina; é o palco perfeito para a
perpetuação de um mártir, de um bode expiatório sobre o qual todos os males
recairão.
Mas não se sabe, ao menos não agora, o que diabos se
sucedeu, talvez um momento de insanidade, alguma jogada política muito
maquiavélica, ou o súbito teleporte para um romance Kafkiano, talvez os três
juntos, mas antes de qualquer tomate lançado, antes de qualquer ofensa
proferida a Fronrel, a primeira coisa que foi dita saiu da boca do Juiz, e foi:
_ Você está absolvido.
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