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Do atávico riso ao egoismo
Fronrel estava estático, não pensava ter ouvido
errado, havia ouvido claramente, em auto e bom som, sem chance para
interpretações dúbias; o que lhe valia a reflexão era o behind desta absolvição. Fronrel já havia passado por muita coisa
para acreditar em milagres ou condescendências de tal magnitude. De modo que
não teve outra escolha, a não ser implodir em atávico riso. Ria um riso
notavelmente cansado, mas um riso a pleno gozo, que faria gosto a um nadador,
por atestar força e volume àqueles pulmões.
Não sabemos ainda as intenções do Juiz, tão pouco se
o que se narrará foi encenação ou genuína perplexidade, mas o algoz de barriga
exorbitante e pernas diminutas se mostra estarrecido com a cena.
_ E por que ri, Fronrel?
_ Oh... por nada... por nad..HAUhauhuHUAHu – Fronrel
forçava um riso convincente para tornar ainda mais caricata a cena – é só por
duvidar de tamanha generosidade.
_ Não é generosidade, reconhecemos a sua posição como
equivocada, mas também nos apercebemos do seu problema concernente às
faculdades mentais, de modo que, indicaríamos um tratamento.
Ele faz uma pausa, bebe algo que nos é representado
como água. Fronrel se mostra curioso e levemente incomodado, tinha uma paisagem
mental de uma clínica psiquiátrica; preferia a cadeia.
_ Entretanto, sabemos que você não reconhece nada de
errado consigo próprio, algo bastante característico das patologias
psicológicas. De forma que optamos por tentar ouvi-lo, então vá lá; nós,
bondosos do estado, defensores da ordem, do progresso e do bem estar social,
damos-lhe a palavra para expressar sua insatisfação, seja ela qual for.
Fronrel já havia pensado em tal cena, em um dia
glorioso em que, à luz do Sol, faria um discurso marcado pelas frases
históricas e pelas pessoas histéricas, a conclamá-lo como novo salvador, como
grande profeta, como o novo Moisés... mas agora, frente à cena, nada saía-lhe
da boca. Após pausa mediana para reordenar o cognitivo, Fronrel intenta:
_ Este mundo está esgotado, vocês o destruíram, vocês
o tornaram podre, saturado da sua lógica de valores, da sua ganância, da sua
postura maquiavélica, dos seus métodos behavioristas; que são alicerçados por
falsas recompensas; da sua falta de tato para com o humano. Vocês deformaram a
humanidade, vocês fizeram do homem marionete, joguete para ir e vir consoante as
vossas vontades de aumentar os zeros à direita nas contas bancárias, vocês são vis,
são metódicos até na frieza. Vocês são o câncer desse planeta.
_ São palavras duras as que joga contra nós, Fronrel.
– diz o Juiz, e emenda. – e você, quê é? Por acaso julga ser deus ou entidade
semelhante? Quem é você para dizer para uma sociedade que majoritariamente
aceita o estilo de vida que segue é infeliz e é subjulgada? Quem é você para
afirmar erro nas escolhas das pessoas?
_ Vocês distorcem e corrompem a informação, vocês se
provam exímios estrategistas, dão a ilusão de informar, mas na verdade o que
fazem é deturpar, verdadeiros faturadores da opinião social, aliciam os meios
de comunicação como se estes fossem produtos de loja de departamento, vocês são
a escória.
O Juiz, ainda não sabemos se atuando ou não, se
mostrava cada vez mais consternado e ofendido com as acusações.
Fronrel era um verdadeiro atirador de facas, mas
verdade seja dita, eram simplesmente facas. Fato é que as acusações eram
bonitas e tinham seu peso, eram bem construídas do ponto de vista da impressão
imediata, mas não apresentavam argumento valorado pela experiência empírica,
tão pouco por alguma sofisticação teórica, eram simplesmente vísceras jorrando.
O juiz, após ouvir toda ladainha, nos é apresentado
se recompondo pesarosamente, de forma caricata e há quem diga, com demasiado
enfoque nos gestos.
_ E o que sugere?
_ Sugiro a exposição da verdade, limpa e crua, mas
sei que não o farão. Sei que o que estou aqui a dizer de nada vale, sei que
muito provavelmente estarei morto antes do por do sol, sei que antes do
inverter dos dias as minhas palavras já haverão sido esquecidas, sei que minha
imagem só terá uma serventia de agora à frente: servir de chacota para a
opinião pública e exemplo proclamado pelo Estado para os desertores como eu.
_ Tenho tanta pena de ti, ó, Fronrel; pergunto-me que
traumas deve ter sofrido para se tornar tão paranoico e para ser capaz de
formular teorias tão equivocadas.
_ NÃO ZOMBE DE MIM! – irrita-se Fronrel.
_ E se – principia o Juiz, contornando o destempero
de Fronrel - eu lhe concedesse a oportunidade de, durante o período de seis
meses, utilizar-se da maneira que quiser dos meios de comunicação de massa, em
um horário préviamente estipulado, para que você fizesse o uso que quisesse?
Pressupondo, naturalmente, que tais usos destinem-se a informar a população
sobre esta sua dita “verdade”.
Fronrel está bestificado. Estava muito fácil, estava
bom demais; ele já está à espera das gargalhadas estraladas e dos comentários
que enunciavam a quem quisesse ouvir a cara de esperança, a ingenuidade de
Fronrel, a piada mais fácil da história. Mas os risos não vêm, os comentários
maldosos também não; o silêncio reina soberano. O que faz Fronrel se
impressionar ainda mais.
_ De quê adiantaria? – pergunta descrentemente
Fronrel – Vocês privam da liberdade aqueles que de vocês discordam,
adjetivam-nos de adjetivos de toda a sorte, acusam-nos dos piores crimes e
feitos; de quê vale me darem suporte para tentar difundir a verdade se esta só
servirá para engrossar as estatísticas prisionais?
_ E se eu propusesse uma eleição ao final deste
período? Você inclusive poderia se candidatar, você inclusive poderia
mostrar-se um melhor gestor que nós, já que tanto nos critica.
Fronrel percebeu então a articulação; Fronrel percebe
a intenção. A intenção era subvertê-lo à lógica daquele sistema, corrompê-lo,
fazer dele a prova viva contra ele mesmo, transformá-lo na contradição que
exemplificaria a falta de caráter e as contradições destes que se colocavam
como oposição ao status quo. Mas
Fronrel tinha um sorriso na cara, não se corromperia; se havia algo que quê
confiava era na própria índole, na capacidade de gerir sem se corromper, ou,
admitindo que todo ser humano em uma ou outra instância se corrompe, se
corromper o mínimo possível.
_ Ainda não consigo crer no que dizes, mas me valho
da sua suposta bondade para provar minhas convicções, aceito a proposta.
_ Eis então sua sentença; ficará em cárcere fechado,
tendo autorização para acompanhar televisão, rádio e internet em sua cela, de
modo que terá como aferir a imparcialidade com que seus argumentos e tentativas
de informação. Terá ainda direito a uma ligação semanal para falar à quem
quiser. Ao final do processo, se ganhar, reconhecerei, pelo poder que em mim é
legitimado, a derrota de nossa perspectiva de governo, transferindo assim o
cargo a você. Se perder, continuará em cárcere até o cumprimento integral da
sentença. Fiz-me entender? _
Claro como o dia, vossa excelência.
É importante atentar para o curioso nível de erudição
linguística em que se deu toda a confabulação. Em primeiro lugar, sendo Fronrel
um homem que tenta jogar com as peças que lhe são fornecidas. Ele tentou se
portar como manda o figurino quando o assunto é tribunal judiciário. A outra
razão é a tendência que Fronrel tem a não ter um modo de falar sólido, salvo
algumas expressões que lhe são típicas; Fronrel é daqueles que adéqua expressões,
sotaques e timbres consoante o outro, ou outros, participante do debate. Mas
estas são particularidade que o autor só está a explanar por desencargo de
consciência.
Enfim, fato é que o Juiz falava a verdade, deixemos
bem claro. Haverá sim espaço na tevê, no rádio e na internet para que Fronrel
possa se manifestar da maneira que achar pertinente à própria campanha; é claro
que Fronrel, sempre dotado de suas visões romancistas, acaba por pensar em uma
metodologia de ação mais teleológica, ou seja, simplificando, visa interesses
egoístas, e por egoístas entenda individuais; mas em vias gerais ele tentará
ser o mais cristão possível, visando o bem das pessoas, a instrução para que
estas possam enxergar a verdade que delas foi omitida.
E começam as disputas.
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