Pós-Zumbis 3ª temporada (9)


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A improbabilidade

                Camaleão no volante, gasolina em quantidade não muito animadora, nenhum destino. Era dia. Ao passarem pelas ruas, os que esbarravam acidentalmente o olhar no carro, de lá não o tiravam; parecia que o “faro” dos zumbis havia se tornado mais sensível, mas não era só isso, parte da atenção chamada pode ser atribuída ao Fronrel, uma vez que ele estava com o rosto colado no vidro e chorando como uma criança.
                _ O que foi que eu fiz... – dizia ele, entremeando os soluços. – eu sou um idiota, um desprezível...
                Levada pelo instinto mais desaconselhável, R. pergunta o que ele queria dizer.
                _ Eu matei tantos e algumas vezes nem havia real necessidade. – tentava explicar. – eu matei matei por crueldade eu sou um errado mesmo eu nem devia estar vivo aquelas pessoas não têm culpa...
                _ Fale com mais calma! – pediu R.
                Fronrel olhou pra ela com um ar incrédulo, com um ar de ofensa. Depois se calou, mas continuou a chorar baixinho. “Merda” pensou Camaleão, a gasolina estava na eminência do fim. Se ela acabasse ali, no meio da cidade, a esta hora do dia, poderia ser muito problemático, a começar pela pífia quantidade de poderio bélico que tinham em mãos.
                _ É melhor nos afastarmos o máximo possível da cidade. – diz Linda, com um ar de desânimo que faria qualquer médico duvidar de que ela estivesse realmente viva.
                Começaram a se afastar da cidade. Passavam pelos altos prédios, pelos “mortos andantes” de terno e gravata que se direcionavam aos respectivos locais de trabalho, Contemplaram as pichações (que eram abundantes em Taguatinga.) e o de sempre, as propagandas, os olhares cinzas e fadados... A apatia. Fronrel recomeça o monólogo.
                _ Porque tem de ser assim? Porque não podemos ajudá-los? Porque estamos aqui fugindo quando precisam de nó...
                Ele é interrompido por Camaleão, que nesse momento havia perdido a paciência e entrado no limite entre a sanidade e seu antônimo.
                _ PORQUE ESTAMOS FUGINDO?! PORQUE NÃO FICAMOS E AJUDAMOS!? VOCÊ QUER FICAR, FRONREL!? QUER!!? PORQUE SE QUISER, BASTA DIZER QUE VAI SALTAR DO CARRO!
                Estava enfurecido, segurava o volante como se fosse arrancá-lo; seu pé foi tão fundo no acelerador que o ponteiro que registrava as RPMs do motor foi parar nas linhas vermelhas. Olhou para trás, cego de ódio, e continuou as ameaças. Fronrel olhava-o com misto de medo e incredulidade.
                _ TEMOS VIVIDO O INFERNO POR CAUSA DESTES SERES DE MERDA! E VOCÊ ME PERGUNTA POR QUE É QUE ESTAMOS INDO EMBORA!? É POR CAUSA DELES, SEU IDIOTA! ELES NOS TÊM FEITO MUDA...
                A frase nunca terminou. Camaleão, que estava de olhar alinhado com o de Fronrel, não se virou a tempo de ver que estava ultrapassando um cruzamento com o sinal fechado para sua pista e, por isso, se chocou com a lateral de um carro que vinha perpendicularmente à sua trajetória. O carro capota três vezes antes de parar. Com as rodas para cima.
                Por um momento ninguém sabe o que está ocorrendo. O leitor pode facilmente imaginar que um movimento intenso de looping das vistas pode atrapalhar um pouco a linha coerente de raciocínio.
                O mas absurdo do fato, e talvez, por isso, o que torna a cena toda mais crível, seja o fato de que Fronrel foi o primeiro a retomar a consciência. O ouvido com o zunido que faz todo som além deste parecer um sonho distante. Ele, por sorte, estava preso ao cinto de segurança, posto certo tempo antes por R., com medo de alguma eventual crise com movimentações físicas mais bruscas. Os olhos ajustam o foco, ele contempla toda a cena de cabeça para baixo… e, de repente, é como se um clarão invadisse sua cabeça, é como se a iluminação adviesse do próprio omnipotente; ele volta. Ele contempla, com os olhos que tinham sobrevivido por tanto tempo, o sangue escorrendo da cabeça de camaleão; as mechas louras (já desbotadas) de Linda, maculadas pelo escarlate do sangue. Todos os atos que tinha realizado após a “lavagem cerebral” passavam agora em sua mente, era como se todos estivessem meio enevoados e pouco críveis. Ele via tudo, tudo que havia acontecido. Ele agora voltava a ser ele. Sua alma havia voltado ao devido lugar.
                É importante deixar claro que essa afirmação que finda o parágrafo anterior não é de todo verdadeira. É verdade, a alma havia voltado, mas não exatamente para o seu devido lugar. Não gosto de tirar-lhes o frescor da surpresa, o que embora faça com frequência, mais até do que seria, por assim dizer, permitido, mas veremos de agora em diante um Fronrel diferente, bem diferente do anterior. Ele consegue desatar o cinto de segurança, sai do carro, visualiza. Aquele local era pouco movimentado, mas já alguns alcoviteiros se aproximavam do local. Fronrel abaixa-se novamente à janela, cutuca e chama R. e Albinati, que estão no banco de trás. Ambas acordam.
                _ Temos que sair daqui o mais rápido possível. – diz Fronrel, piscando bastante. – Temos que ser rápidos, ou algo muito ruim pode acontecer.
                 Elas começam a sair. Albinati sente uma dor muito forte na boca, quando coloca a mão, percebe ser um dente que acaba de perder. Chora ao perceber a desgraça da vida como era. Ficaria desdentada pelo resto da vida se não encontrassem um dentista que não fosse zumbi. Fronrel move-se para as janelas dianteiras. Camaleão já se desvencilhava das tiras de proteção. Então Linda grita. Já era a próxima, Fronrel vai até ela, e o que vê é preocupante. Linda não parava de gritar e olhar para sua mão direita, ou melhor, a ausência dela. A mão de Linda havia sido decepada.
                É importante descrever como tal infortúnio ocorreu, talvez não IMPORTANTE, mas alguns leitores devem estar curiosos, e a estes presto esse serviço sem custos adicionais que não o já esperado esforço em seguir adiante.
                O fato é demasiado simples, aliás. Ocorre que Linda tinha a mania comum de diversos motoristas e passageiros dos bancos da frente, que é uma mania altamente censurada, porém deverasmente praticada. Que é a mania de colocar o braço do lado da janela para fora da janela; nesse caso, ela estava com a mão apoiada no teto do carro. Quando o carro capotou, a mão ficou tal qual o chocolate esquecido no bolso traseiro da calça, ato contínuo, não desfrutou dos dois últimos capotes, uma vez que abandonou o barco na primeira virada.
                Ela chorava e gritava. Seus olhos eram dor, cólera, eram vontade de morrer, vontade de por fim àquela existência pequena e fatigante.
                _ VÃO EMBORA! – gritava ela. – Ah... minha mão. – chorava ela, baixinho. – minha mão...MINHA MÃO!
                O número de mexeriqueiros continuava aumentando.
                Algum leitor muito atípico deve estar desconcertado com a dúvida do que se sucedeu ao outro carro. Bem, a estes digo: O outro carro tinha apenas um passageiro, o próprio motorista. Na batida, o carro de nossos heróis bateu justamente na lateral do motorista, fazendo assim com que o infeliz condutor morresse na hora. Inacreditavelmente, a última coisa que passou pela cabeça dessa pessoa foi um gordo saldo bancário que havia economizado por tanto tempo e que agora acabaria na mão de dois filhos ingratos e de uma esposa infiel, e ele não desfrutara um único centavo deste esforço.
                Fronrel tenta a todo custo retirar Linda das ferragens, mas ela se debate e grita como visse o Satanás. Ela clama para que deixem-na, diz entre soluços que aquilo era um castigo que ela não queria mais receber, melhor seria morrer. Fronrel olhava para a cena e não sentia nada senão impaciência. Rapidamente tira a camisa, passa-a envolta do recém-cotó de Linda e dá um nó consideravelmente forte. Arrasta-a a força para fora da lataria do que outrora era um carro, pede um auxílio a camaleão, precisavam sair Dalí. Fronrel pega a pistola que estava no short de Linda e aponta aos curiosos. O efeito foi nulo. Eram doze zumbis para nove balas. “Merda” pensa Fronrel. Fronrel não consegue atirar neles.
                _ Fronrel – diz Camaleão – eles estão chegando perto.
                 Fronrel olha rapidamente para ele e começa a suar. O que fazer? Ele não conseguia mais atirar neles.
                _ O que você está fazendo?! – Irrita-se Camaleão. – atira logo!
                Eles se aproximavam mais.
                _ Eu... eu... eu... – tenta Fronrel.
                _ANDA!
                _ Eu... não posso! – diz Fronrel. – não é culpa deles! Eles... eles não querem estar assim...
                Eles continuavam se aproximando. R. toma a arma das mãos de Fronrel, fecha os olhos e dá dois tiros. Um deles acerta um zumbi.
                _ O QUE VOCÊ FEZ!? – pergunta Fronrel.
                R. conseguia ver a cólera no olhar de Fronrel.
                Ainda restavam onze.
               

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